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Carroças, táxis e a destruição criadora

A história do progresso humano traz consigo um paradoxo interessante: para colher os frutos da inovação, a sociedade precisa estar disposta a ver alguns de seus membros sofrendo perdas no curto prazo. Algumas pessoas perderam com a invenção do automóvel (fabricantes de carroças, criadores de cavalos, fabricantes de peças etc.), mas isso – felizmente – não impediu que esta nova tecnologia mudasse as vidas de milhões de pessoas mundo afora. Caso similar ocorreu com o advento do computador – imagine quantas fábricas de máquinas de escrever não foram fechadas e quantos datilógrafos perderam seus empregos?

São incontáveis os exemplos desse fenômeno chamado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter de “destruição criadora”. O mercado é um processo essencialmente dinâmico. Barrar a permanente busca pelo descobrimento de oportunidades empreendedoras é não só inútil como danoso: gera pobreza e atraso, além de incentivos à corrupção.

É o que presenciamos hoje em algumas cidades brasileiras, onde o uso do Uber está sendo banido. Este aplicativo de celular, que conecta motoristas de carro autônomos a passageiros, tem crescido no país por oferecer um serviço de transporte mais qualificado, dinâmico e barato que os tradicionais táxis.

A proibição do Uber é uma vitória das corporações de taxistas, mas é uma derrota dos passageiros

O Uber tem crescido por seus méritos em prestar um serviço que satisfaz as necessidades de seus clientes. As corporações de motoristas e proprietários de táxis, que historicamente se beneficiaram de restrições artificiais na quantidade de licenças para oferecer um serviço relativamente caro e de baixa qualidade, não estão gostando nada disso.

Argumentam os taxistas que o Uber representaria uma competição desleal por não estarem seus motoristas sujeitos a uma série de regulações, o que lhes daria uma vantagem competitiva indevida. Ora, se o problema é a excessiva regulação estatal, por que não se mobilizam politicamente para reduzi-la para todos, em vez de buscar um mero privilégio que os proteja da concorrência? A razão é óbvia: é muito mais efetivo e barato (ao menos no curto prazo) mobilizar-se para obter ou manter uma reserva de mercado do que pleitear um terreno plano aberto à livre concorrência para todos. Uma reserva de mercado coloca seus beneficiários em uma posição cômoda à custa do consumidor, enquanto a competição é incerta, por trazer consigo a necessidade de se adaptar.

É totalmente compreensível que os taxistas e donos de táxis busquem barrar a competição do Uber. O lobby e a pressão política são, quando exercidos de forma pacífica, instrumentos legítimos para se influenciar o debate político. Cabe à sociedade, no entanto, refletir sobre as consequências de nos tornarmos reféns de pequenos grupos bem organizados em defesa de seus interesses de classe.

A Constituição Federal é clara ao declarar dentre os princípios da ordem econômica brasileira (art. 170) a “livre concorrência” (inc. IV) e a “defesa do consumidor” (inc. V). Neste sentido, a proibição do Uber é não só imoral, mas também inconstitucional. O consumidor perde poder quando não há concorrência. Torna-se refém de serviços caros e de baixa qualidade simplesmente porque não dispõe de alternativas.

A proibição do Uber em algumas cidades brasileiras é uma vitória das corporações de taxistas, mas é uma derrota dos passageiros. É a vitória dos interesses especiais sobre os interesses difusos de toda a sociedade.

O sagrado direito de servir ao consumidor, soberano em uma economia de mercado, não pode e não deve ser conquistado por meio de privilégios legais. Defender o Uber, hoje, significa muito mais que simplesmente defender o direito de uma empresa intermediar contatos entre provedores de serviços e consumidores: é levantar-se contra a tirania das corporações sindicais ou empresariais que buscam diariamente tomar o fruto do nosso trabalho por meio do “empreendedorismo político”. Basta!

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