Há mais de dez anos, empresas sem vínculos com a Agência Nacional de Saúde passaram a oferecer para a população os chamados "cartões de desconto", que são uma alternativa para quem não pode ficar à mercê do atendimento demorado do SUS, mas também não tem condições de arcar com as mensalidades dos planos de saúde.
Essa parcela da população em geral, com baixo poder aquisitivo encontra nesse produto uma forma de ser atendida por uma rede credenciada de médicos e realizar exames com desconto. Para isso, paga uma mensalidade ou anuidade de valor muito baixo se comparado aos serviços de saúde suplementar. Em alguns modelos, o cliente tem um "crédito" para ir usando de acordo com a necessidade; em outros, paga quantias baixas pelo atendimento, como em um "clube de benefícios".
Entretanto, na busca por garantir sua saúde, estes consumidores podem estar comprando gato por lebre. Isso porque a falta de regulamentação permite que essas empresas funcionem sem regras claras, muitas vezes não oferecendo, nos momentos de maior necessidade do paciente, a qualidade de atendimento esperada e pela qual ele está pagando.
ANS, Procon, Conselho Federal de Medicina e outras entidades já se posicionaram contra esse sistema, que não pode ser considerado plano de saúde e, inclusive, pode significar prejuízo para quem o compra. Afinal, o paciente não faz um planejamento adequado de prevenção e atenção à saúde utilizando o seu "crédito" em situações que muitas vezes já se tornaram casos graves , além de correr o risco de não conseguir o atendimento adequado por causa de uma rede credenciada limitada.
Para a ANS, os cartões de desconto configuram "risco assistencial grave"; para o Procon, são um perigo para o consumidor; para o Conselho Federal de Medicina, atitude antiética dos profissionais da saúde que aceitam trabalhar sob este sistema. Mas mesmo diante desse posicionamento não há regulamentação ou fiscalização e esse produto continua sendo comercializado, muitas vezes atrelado a outros serviços, como turismo, lazer e planos funerários.
Apesar de concordar com as agências e entidades, também entendo a população que busca nesses serviços uma alternativa à saúde pública, mas que na realidade desejava poder contratar um plano de saúde que oferecesse segurança real e ampla assistência. Mas como fazer isso quando as mensalidades estão fora do que permite o orçamento familiar?
É por esse aspecto que as operadoras de saúde pedem à ANS mudanças e flexibilidade. Se houver a possibilidade de novas modalidades de planos, diferentes produtos, que contemplem coberturas diferenciadas de acordo com o interesse dos clientes, será possível oferecer serviços com mensalidades mais baixas, chegando às classes com menor poder aquisitivo e ampliando o acesso da população à saúde suplementar.
Independentemente da possibilidade de que essas mudanças desejadas venham a ocorrer para as operadoras, esperamos que haja ao menos regulamentação nessa modalidade que já é praticada sem nenhum tipo de fiscalização nem penalidade. Para que, assim, a população, carente de serviços de qualidade em saúde, possa ter a assistência necessária sem colocar seu dinheiro em um bolso furado.
Cadri Massuda, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo, regional Paraná e Santa Catarina (Abramge PR/SC).