Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Opinião do dia 2

Cascata de impostos

Velha de séculos, a tributação indireta (embutida no preço dos produtos) é praticada pelos políticos sem qualquer rubor em suas faces. Foi invenção de argutos mentores da tirania e de algozes de tantas outras ignomínias lançadas ao lombo dos súditos, mas, nesse caso, sem que eles soubessem de onde vinham as chibatadas fiscais.

Os soberanos tomaram gosto pelo método: insípido, inodoro, incolor. Genial! Peçonha sem gosto, cheiro e cor, como a inofensiva água. Outro aspecto que lhes espantou foi a possibilidade de aumentar, aos poucos, estes impostos invisíveis aos olhos da massa ignara (os contribuintes) sem que por ela fosse sentido. Tal qual na homeopatia – sempre em pequenas doses – , ou como sucede com o veneno ofídico injetado aos poucos nos equideos para depois extrair-lhe o soro curador de fatais investidas das víboras contra os humanos. Mas para tudo isso sempre houve uma explicação (e os políticos são pródigos nisto): "este pequeno aumento de imposto", dizem, "é de inexpressivo reflexo sobre os cidadãos" (eles nunca se referem ao contribuinte), "mas de grande impacto no combate aos males fiscais" . Tudo cascata, lorota. A farra das passagens aéreas não é, senão, mais uma demonstração recente de que não há qualquer seriedade no uso do nosso dinheiro. Há estudos que mostram que a carga tributária já alcançou os 40% do PIB.

A tributação indireta (embutida nos preços) não é, em si, veneno letal, mas é, sem dúvida, produto de alta periculosidade, explosivo se manejado por pessoas sem experiência (políticos inescrupulosos, por exemplo).

E não é demais lembrar que poucos são os impostos conhecidos a olho nu pelos contribuintes. Os pouquíssimos exemplos são: o imposto de renda e o INSS (contribuição previdenciária), descontados mensalmente dos salários dos pobres vassalos; outros (também pouquíssimos) são anuais – o IPTU (para os afortunados que possuem casa própria) e o ITR, imposto de arrecadação pífia cobrado dos proprietários de terras rurais. Estes impostos, que são diretos, porque atingem diretamente os bolsos dos contribuintes, têm algum efeito educativo do ponto de vista fiscal, pois dão conhecimento, de forma clara, do encargo fiscal que é lançado sobre os já cansados ombros dos contribuintes. Mas são a menor parte da carga tributária.

Por outro lado, a expressiva maioria dos impostos é dissimulada nos preços pagos pelos consumidores. Apenas alguns exemplos: IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS, Cide dos combustíveis, sem falar nas escorchantes contribuições previdenciárias que incidem sobre a folha de pagamentos (que não são tecnicamente um imposto, mas que são tão doloridas quanto este) e que são recolhidas pelo empregador, ou seja, sem conhecimento do empregado (exceto a parte que lhe é descontada do salário, a menor, diga-se). Ou seja, a maior parte da carga tributária é embutida nos preços dos produtos, mercadorias ou serviços consumidos, no dia a dia, dos contribuintes, sem que eles tenham qualquer conhecimento disto, com raríssimas exceções, como ocorre nas faturas de água e telefone (que de regra passam ao largo da percepção dos contribuintes).

Ignoram os contribuintes brasileiros (pois alijados do conhecimento da astuta técnica da tributação indireta) que o automóvel brasileiro custaria 40% ou 50% menos, não fosse a cadeia tsunâmica de impostos que incidem sobre este produto, do parafuso ao computador de bordo. Alguns poderão objetar esta afirmação, dizendo que os taxistas, por exemplo, são isentos do IPI e do ICMS. Esta é, contudo, uma verdade que somente vem demonstrar a enorme carga tributária sobre os automóveis, pois somente com a isenção de apenas dois impostos (IPI e ICMS), os taxistas conseguem adquirir seus veículos com descontos em média de 40%. Veja-se: isto com isenção de apenas dois impostos, pois se tirarmos toda a carga tributária que incide sobre os automóveis o preço dele diminuirá muito mais.

Esta mesma estória se repete em tudo o mais que consumimos todos os dias, sem falar no pedágio, o seguro de vida mais barato que existe, mas que foi gerado pela absoluta incompetência do poder público em manter nossas rodovias com condições mínimas de trafegabilidade. Aliás, falando em combustíveis, onde está o dinheiro (milhões e milhões) arrecadado por via da Cide (embutida nos preços deste produto) e que deveria servir para manutenção das nossas estradas? Para que serve a Cide se temos de pagar pedágio? São perguntas respondidas pelos nossos políticos (do legislativo e do executivo) com tergiversações, sofismas, enfim, filosofia de boteco, falemos a verdade. O fato é que os políticos não têm qualquer interesse em esclarecer a população acerca dos impostos (tributos) que incidem sobre todos os produtos, mercadorias e serviços consumidos diariamente pelos vassalos fiscais. E não o fazem por razão mais que óbvia: cidadão que tem consciência da quantidade de tributos que paga (direta e indiretamente) conscientiza-se que é o pagador da conta e, portanto, pode e deve cobrar o bom uso do seu dinheiro. Passa a visualizar os políticos como verdadeiramente eles são: mandatários, outorgados, representantes. E o cidadão passa a ter consciência de que ele é o mandante, outorgante, representado. Ou seja, o contribuinte é quem manda e o político é quem obedece. Simples e claro, como tudo começou na Grécia e como é próprio da democracia praticada pelos povos modernos. No modelo grego, as decisões eram tomadas por todos do povo na ágora (em especial a da polis ateniense). No modelo moderno, são eleitos representantes do povo para, em nome dele (único detentor do poder soberano de decidir os destinos do seu país), tomar as decisões que atendam aos seus interesses (e somente os dele).

A realidade, cruel até agora, é outra: os grilhões do modelo tributário atual mantêm o contribuinte brasileiro mediante cedência insensata, irrefletida, irresponsável e ignara.

Os desmandos são tantos e a rapacidade ao dinheiro público tamanha, que se antevê um longo caminho para mudar este estado de coisas no Brasil. Numa visão reducionista, isto somente ocorrerá com insurgência de dois fatores: juventude esclarecida sobre os tributos que paga e, como corolário, voto consciente dos jovens.

Reinaldo Chaves Rivera é professor titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito de Curitiba-UniCuritiba. Advogado especializado em Direito Tributário.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.