Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em decisão unânime, cassou o registro da candidatura do ex-procurador da República Deltan Dallagnol. Para tanto, o ministro Benedito Gonçalves fundamentou seu voto na alínea “q” do artigo 1º, inciso I, da lei nº 64/90 (Lei da Ficha Limpa), que prevê a inelegibilidade de membros do Ministério Público (MP) que tenham pedido exoneração na pendência de Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
Nesse sentido, para Gonçalves, houve fraude à lei. Isso porque, segundo o magistrado, Dallagnol teria pedido exoneração do seu cargo quando ainda tramitavam processos administrativos nos quais ele era investigado. No entanto, o referido entendimento mostra-se equivocado, pois muito embora o ex-procurador da República respondesse a questionamentos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), tais procedimentos não eram PADs, e, neste aspecto, cinge-se, então, a controvérsia.
Embora unânime, a cassação de Dallagnol revela-se equivocada e ilógica, incoerente, incongruente.
Processos administrativos, em linhas gerais, tratam de várias frentes, inclusive podem resultar em PADs – já na linha disciplinar. E, apenas o PAD pode penalizar o servidor. As sanções vão desde uma simples advertência até à exoneração. Porém, para Gonçalves, o pedido de exoneração de Dallagnol foi uma manobra jurídica que impediu que os procedimentos administrativos (não disciplinares) em trâmite no CNMP em seu desfavor viessem a gerar PADs, que, aí, sim, poderiam ensejar a pena de perda de aposentadoria ou de cargo. Logo, temos em voga um completo absurdo. Sobretudo em razão de a lei não prever inelegibilidade a membros do MP que tenham pedido exoneração na pendência de processo administrativo (sem ser disciplinar) que poderá (na linha condicional, na probabilidade) resultar em PAD.
Claramente, o magistrado, de forma imprópria, alterou o texto da lei, quando deveria, tão somente, interpretá-la e aplicá-la. No caso em tela, a Lei da Ficha Limpa revela-se extremamente rígida, pois condiciona a inelegibilidade a um evento futuro incerto. Todavia, Gonçalves condicionou a inelegibilidade à ocorrência de outro evento futuro, ou seja, um processo resultar em outro, exercitando uma espécie de futurologia que não está nos escritos da Justiça. Mais ou menos, seria como banir o tomate da dieta, pois o tomate poderá se transformar eventualmente numa pizza e, se tornando uma pizza, o consumidor poderá ingerir a iguaria e, em consequência, engordar. É o tal do “e se?”.
Ao negar que para existir um PAD é necessária a conclusão do procedimento antecedente, neste caso, o processo administrativo, uma sindicância, o ministro afronta, ainda, o princípio constitucional do artigo 5º, inciso LIV, que garante que o indivíduo só terá seus direitos restringidos mediante devido processo legal. Além de inusitada, a decisão que cassou o mandato de deputado federal de Dallagnol foi proferida muito tempo após sua eleição (outubro de 2022). Além de se eleger de forma expressiva (344.917 votos), o ex-coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná é nacionalmente conhecido, sobretudo por sua oposição não só ao atual governo, como também ao judiciário.
Infelizmente, embora unânime, a cassação revela-se equivocada e ilógica, incoerente, incongruente. O julgamento deveria ter ocorrido antes da eleição, evitando, assim, que a decisão se tornasse, no mínimo, suspeita.
Epeus Michelette é advogado; pós-graduando em Direito Público, pela Escola Paulista da Magistratura; especialista em Direito Imobiliário; e sócio da Michelette Advocacia.
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