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O caso Unisa e a cruel tradição que não poupa gênero ou raça
| Foto: Divulgação/Saulo Tomé/UnB Agência

Qualquer julgamento que se pretenda responsável exige a compreensão do contexto fático e da motivação do agente. Ocorre que o “Tribunal das Redes Sociais” já condenou os calouros de Medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa), sediada em São Paulo. Aliás, sem qualquer direito ao contraditório, ao menos sete deles foram expulsos pela universidade a toque de caixa. Comentários mais recentes dão conta de que as expulsões já teriam atingido 15 calouros nos últimos dias.

Vídeos elaborados em abril de 2023 e agora divulgados mostram somente calouros — alguns sequer haviam completado 18 anos —, cobertos com tinta verde e negra, correndo nus pelo ginásio poliesportivo no qual acontecia uma partida feminina de voleibol. Estranho, onde estavam os demais alunos veteranos quando tudo ocorreu?

Geralmente, os trotes estão mais atrelados ao sentimento de exploração e humilhação do calouro, do que necessariamente ao animus de ofender ou atingir terceiros.

Para além da punição administrativa imposta pela faculdade de forma sumária, também há informes de que a polícia civil de São Carlos investiga o caso. Até aqui, os crimes ventilados exigem a comprovação da intenção deliberada (dolo, em linguagem técnica) para existir. São eles: importunação sexual e prática de ato obsceno.

Ora, será mesmo que os calouros tramaram e colocaram em prática um plano diabólico para constranger e humilhar as atletas por meio da nudez vexatória que expõe ao ridículo, em primeiro lugar, eles mesmos? Haveria um surto coletivo de misoginia que atingiu apenas calouros? Nada disso, sobrou açodamento e faltou conhecimento sobre a condição especialíssima do calouro.

Não é de hoje que a sexualização, os abusos e a violência tomam conta da vida universitária, em especial na realidade dos recém-chegados, que ficam à mercê dos ritos de iniciação e aceitação de seus veteranos, ou seja, os chamados trotes. Geralmente, os trotes estão mais atrelados ao sentimento de exploração e humilhação do calouro, do que necessariamente ao animus de ofender ou atingir terceiros. Quem resiste, é severamente hostilizado, ficando sujeito, inclusive, a ameaças de isolamento social; sendo improvável a conclusão do curso.

Não há dúvidas de que a sociedade precisa enfrentar o cenário de selvageria que tomou conta da vida universitária em nosso país, coibindo práticas violentas, vexatórias, discriminatórias, dentre tantas outras. Todavia, não se pode fazer isso à custa do futuro de meia dúzia de jovens que serviram como peões num contexto de abuso e coerção. Do contrário, assim como o rei da Pérsia assassinou o mensageiro diante da notícia de fracasso na guerra, prevaricaremos no combate a uma tradição cruel que atinge a todos os alunos sem levar em conta gênero ou raça.

André Damiani, especialista em Direito Penal Econômico, é sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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