Uma tradição brasileira é a de considerar a semana que se segue ao carnaval como o início do ano político. Em 2019, essa tradição é particularmente relevante já que a administração Bolsonaro provavelmente gostaria de apagar da memória alguns episódios das últimas semanas. A demissão do ministro Gustavo Bebianno, declarações desastradas de alguns ministros, o papel dos filhos do presidente, e dificuldades de articulação do bloco governamental no congresso marcaram esse período. No lado positivo, o governo ainda se beneficia de expectativas positivas, típicas do período de “lua de mel” de uma nova administração, e de ter preparado uma proposta ambiciosa de reforma da Previdência.
A economia brasileira vem se recuperando da recessão mais dramática de sua história moderna. O crescimento, no entanto, permanece medíocre e o futuro da recuperação econômica permanece incerto. A crise gerou uma perda significativa do grau de confiança, tanto por parte de atores externos como domésticos. O crescimento potencial do Brasil, que era estimado ser da ordem de 4% ao ano no período pré-crise, caiu para cerca de 2% ao ano na atualidade.
A herança da crise inclui alto desemprego (uma taxa de 12%), ociosidade industrial elevada (uma taxa de utilização da capacidade instalada de 78,3%), endividamento do setor privado (a dívida das pessoas jurídicas não-financeiras permanece elevada: cerca de 49,1% do PIB), retração de investimentos públicos e privados (atingindo apenas 15,8% do PIB em 2018), o colapso financeiro de alguns estados da federação (RJ, MG, RS...) e a expansão significativa da dívida pública (com uma dívida bruta do setor público de cerca de 76,7% do PIB). A crise, porém, favoreceu o controle da inflação e a queda da taxa de juros. Caso o Brasil consiga manter a inflação sob controle e os juros mais baixos, tais resultados têm o potencial de transformar o mercado financeiro a médio prazo, melhorando a alocação de recursos e diminuindo o serviço das dívidas.
O grande desafio é o de complementar esforços de repressão com as reformas institucionais necessárias
Um outro subproduto da crise foi a atenção renovada ao combate à corrupção. As implicações políticas da Operação Lava Jato, como ilustrado pela prisão do ex-presidente Lula, geram reações que tendem a polarizar o debate e alimentam confrontos entre o Poder Judiciário e os demais poderes constitucionais. Seria ingênuo esperar que esta polarização política vá desaparecer, já que o sistema político brasileiro é um participante ativo nesse “ecossistema” de corrupção. O grande desafio é o de complementar esforços de repressão com as reformas institucionais necessárias para o fortalecimento de instrumentos de prevenção à corrupção. Sérgio Moro assumiu o Ministério da Justiça com um capital político significativo para implementar essa agenda. A experiência inicial do “superministro”, no entanto, ilustra as dificuldades de coordenação da nova administração (por exemplo, o caso Ilona Szabó), gerando dúvidas sobre o seu futuro nesse governo.
Paulo Guedes, o outro “superministro”, articulou uma proposta de reforma da Previdência que foi bem recebida pelo mercado. Os déficits do Regime Geral de Previdência Social (o sistema administrado pelo INSS) e do Regime Próprio de Previdência Social (o sistema que ampara os servidores públicos) equivalem a cerca de 2,5% e 2% do PIB, respectivamente. Esses déficits são responsáveis por mais de 50% do déficit nominal do estado brasileiro. A proposta do governo em tese se traduzirá em uma poupança de mais de R$ 1 trilhão nos próximos dez anos. A grande questão é saber o quanto a reforma será modificada pelo Congresso. A necessidade da reforma é reconhecida pela maioria dos parlamentares, mas o debate da PEC da Previdência será dominada por interesses específicos de segmentos da população (funcionários públicos, trabalhadores rurais, etc). Em um ambiente político caracterizado por uma alta fragmentação partidária só há uma certeza: a reforma será “desidratada”, qual seja a poupança estimada pelo governo será reduzida em meio às negociações necessárias para a aprovação da PEC. Declarações recentes do Presidente quanto à possibilidade de se reduzir a idade mínima para a aposentadoria de mulheres aumentam as chances de um resultado fiscal aquém do alvo original.
Opinião da Gazeta: O crescimento possível (editorial de 4 de março de 2019)
Leia também: A política por trás do protecionismo (artigo de Adriano Gianturco, publicado em 5 de março de 2019)
Uma variável fora do controle nacional diz respeito à saúde da economia mundial. Embora as perspectivas atuais ainda sejam positivas (com o crescimento global devendo se manter em torno de 3 a 3,5% esse ano), a economia mundial está desacelerando. Tensões geopolíticas, tendências protecionistas, a possibilidade da normalização da política monetária dos EUA e de aumento da taxa de juros, a desaceleração de economias europeias (a Itália em recessão, a Alemanha estagnada, e o impacto do Brexit), a recessão argentina, e o endividamento crescente da China merecem atenção. A economia brasileira não é muito vulnerável a choques externos, mas a desaceleração da economia mundial não é uma boa notícia.
A retomada do crescimento de forma sustentável também requer medidas que incentivem o aumento da produtividade e novos investimentos. Tais medidas incluem projetos de liberalização comercial, de desburocratização e de reforma tributária, que contribuiriam para diminuir o custo de se fazer negócios no país. A sequência dessas reformas adicionais será ditada pelo resultado da reforma da Previdência, já que este será um indicador da credibilidade do novo governo. Em síntese, a recuperação do espaço fiscal é um primeiro passo importante para o restabelecimento de uma trajetória de crescimento sustentado. Tal cenário permitirá melhorias no médio prazo nas áreas de educação, saúde e segurança. O desafio político, no entanto, é significativo e caso essas reformas estruturais não ocorram, a recuperação ora em curso não terá fôlego.