O equívoco do MEC ao declarar guerra contra o Ensino à Distância (EAD) ficou evidente com os resultados do Censo da Educação Superior 2023, que acaba de ser divulgado pelo próprio ministério e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Enquanto o governo, suspendeu a criação de novos cursos e novas instituições na modalidade EAD, a partir de sua portaria 508 publicada em 7 de junho deste ano, os dados anunciados no dia 3 de outubro, deixam claro que a modalidade é a ferramenta mais inclusiva do ensino superior do país.
Precisamos lembrar que o objetivo das pesquisas estatísticas é oferecer informações detalhadas sobre a situação e as tendências da educação superior brasileira, assim como guiar as políticas públicas. Portanto, os dados do Censo servem para avaliar se as medidas restritivas tomadas são efetivamente adequadas ou podem dar ‘um cavalo de pau’ tão grande na educação superior que esta nunca mais voltará ao trilho de evolução, que parecia estar caminhando.
Os dados do censo da educação superior de 2023 nos traz lições que buscam trazer a nossa realidade para uma visão menos elitista: o EAD é e deve continuar sendo a política pública mais inclusiva
Alguns números deixam claro o equívoco. Mesmo com o aumento do número de matrículas no país, provocado pelo EAD, o percentual da população com ensino superior no Brasil ainda está abaixo da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, a faixa etária 25 a 34 anos é 22%, enquanto a média OCDE é de 47,4%. Já na faixa etária de 55 a 65 anos, o Brasil fica em 15%, metade da OCDE (30,3%).
O Brasil é um país continente, ainda com população muito pobre, o que justifica porque o crescimento de acesso ao ensino superior se dá pela modalidade a distância, pois ingressam no EAD, alunos mais velhos, com menos tempo disponível para uma graduação, o que se percebe no ciclo de formação, os alunos do EAD terminam os cursos obtendo o diploma em um ciclo mais longo.
O Censo da Educação Superior brasileira apresenta uma visão detalhada inédita até então, que tornou possível saber quantos dos 5.570 municípios brasileiros têm alunos frequentando a educação superior, de forma presencial ou por meio de polos de Educação a Distância (EaD). A análise revelou que 89,7% das matrículas de EaD estão em 1.085 municípios onde há oferta de cursos presenciais. Apenas 10,3% das matrículas de EaD estão em 2.281 municípios onde essa é a única maneira de fazer uma graduação.
Desta forma, percebe-se que, em praticamente, dos municípios brasileiros essa é a única forma de fazer uma graduação. Assim, bloquear o EAD, ou torná-lo mais próximo da modalidade presencial traz à tona uma visão elitista e pouco inclusiva de um MEC integrado a um governo de esquerda, movimento raro e dissociado da realidade da política mundial.
Outro dado interessante é que existem 2.580 instituições de ensino superior no Brasil, destas, 2.264 são privadas, e 316 são públicas. Das vagas existentes 95% delas são ofertadas por instituições privadas. O que significa que, se queremos crescer no acesso ao ensino superior, isto ocorrerá pelo setor privado, pelas vagas ofertadas.
Nas 2.264 instituições privadas 71,7% das vagas ofertadas são na modalidade EAD e das 316 instituições de ensino superior pública 87,1% das vagas ofertadas são presenciais. Fica claro que as instituições públicas ou não evoluíram a sua oferta de maneira tecnológica que o EAD exige, ou existe um preconceito da rede pública ao ensino na modalidade EAD, ou a rede pública não está atenta a necessidade de expansão do acesso ao ensino superior. Talvez sejam estes três fatores.
A tendência da preferência de novos estudantes por cursos EAD já é conhecida, e desde 2020, o número de matrículas em cursos presenciais é inferior ao de inscrições na modalidade de ensino à distância. Em 2023, 3,31 milhões de novos alunos se matricularam na modalidade EAD, quase o dobro do número de matrículas em cursos presenciais (1,67 milhões).
No EAD, o total de vagas oferecidas em 2023 era 19,1 milhões, mais que o triplo das 5,5 milhões de vagas presenciais. Dos 9,9 milhões de estudantes no ensino superior, temos 5 milhões estudando presencialmente e 4,9 milhões estudando na modalidade EAD, porém com a taxa de ingressantes entre EAD e Presencial sendo de quase 2 para 1. Assim, ainda em 2024 esta base de alunos tende a se inverter.
O crescimento de ingressantes em EAD é de 15% quando comparamos 2022 e 2023. Mas, quando analisamos os últimos 5 anos, a taxa de crescimento chega a 232%. Outro recorte importante é a porcentagem de ingressantes versus o grau (tipo de curso: bacharelado, licenciatura ou superior de tecnologia): 53% das matrículas novas são em bacharelado, 30% em licenciatura e 17% em tecnológico. Porém são os tecnológicos que vem crescendo em maior quantidade nos últimos anos, por serem mais curtos em duração e mais focados.
Os dados do censo da educação superior de 2023 nos traz lições que buscam trazer a nossa realidade para uma visão menos elitista: o EAD é e deve continuar sendo a política pública mais inclusiva, presente em mais de 50% dos municípios brasileiros onde o presencial não chega. Em um país continente, com diversidades geográficas e sociais grandes são as educações com uso de tecnologia e articulada com a profissionalização que garantirão a expansão do aprendizado e da produtividade.
César Silva é diretor Presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo – FATEC-SP há mais de 30 anos.
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