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O centro ideológico versus o “centrão” fisiológico

Sessão do Congresso Nacional. (Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados)

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Dois são os efeitos mais evidentes da atual polarização política vivida no Brasil: o achatamento de todos os espectros ideológicos não inseridos nos extremos radicais; e o crescimento do fisiologismo como mecanismo de sustentação do radicalismo político. Por falta de conhecimento, os menos familiarizados com os meandros políticos, e por oportunismo, os defensores do radicalismo, confundem os dois efeitos citados, ao afirmarem que o centro político é um só. E os equívocos deste afunilamento conceitual podem ser explicados à partir dos próprios pilares de “esquerda” e “direita” , que no Brasil são conceitos confusos e destoantes das origens dos termos.

Na origem, a divisão ideológica surgiu durante a Revolução Francesa, em virtude da existência de dois grupos bem definidos. Os jacobinos eram os contrários ao status vigente, portanto, tidos como revolucionários e donos de posições extremadas e radicais. Em oposição, havia os girondinos, que eram mais próximos ao núcleo de poder vigente, também tidos como mais moderados. Involuntariamente, na sessão em que foi decidido o limite do poder de veto do rei Luís XVI, os jacobinos ficaram reunidos à esquerda do presidente, enquanto os girondinos postados à direita. E deste posicionamento físico surgiu a denominação de cada grupo.

Enquanto esquerda e direita encaram o processo político de forma passional e os adversários como inimigos, o centro político pensa de forma racional.

Com o passar dos séculos os extremos antagônicos continuaram disputando espaços de poder, mesmo que ao longo do tempo os fatos e pretextos em disputa tenham mudado. Como exemplo, durante a revolução francesa a esquerda estava atrelada à defesa da monarquia constitucional, enquanto à direita defendia a monarquia tradicional. Tempos depois, a direita passou a defender a monarquia constitucional, enquanto à esquerda passou a defender a república. Mais algum tempo, e a república passa a ser objeto de defesa da direita, enquanto a esquerda envereda pela república social. Nitidamente, apesar dos pilares antagônicos, o decurso do tempo fez com os objetivos de um grupo passassem a ser encampados pelo outro grupo, o que mostra que a radicalização, na maioria dos casos, serve exclusivamente a um propósito imediatista.

No Brasil, os pilares de esquerda e direita estão respectivamente associados ao progressismo e ao conservadorismo, mesmo que as pautas de cada lado também tenham mudado ao longo do tempo. Aliás, no Brasil, como no restante do mundo, as pautas defendidas por esquerda e direita vão sendo alteradas de acordo com casuísmos político-eleitorais. A título de exemplo, nas últimas semanas foram noticiadas críticas de líderes políticos ao principal tribunal internacional de tutela dos direitos humanos, fomento às pesquisas para a extração de petróleo da foz do Rio Amazonas, críticas à utilização de mecanismos de investigação como a delação premiada e críticas a uma eventual atuação política da corte constitucional brasileira.

Alguém que não acompanha a política brasileira e que conhece os conceitos da ciência política cravaria com convicção que as duas primeiras medidas foram propostas pela direita clássica, enquanto as duas últimas pela esquerda. Já os que conhecem a política brasileira tiveram duas reações: rir diante da confusão (isso provavelmente aconteceu com alguém mais racional); ou o enfurecimento diante dos exemplos (isso aconteceu com alguém mais passional, independentemente do lado para o qual flua essa paixão).

Os extremos radicais sobrevivem de uma narrativa política de combate ao outro extremo, ou seja, a batalha de narrativas extremas faz com que os polos opostos se retroalimentem.

E essa confusão não é reflexo da falta de conhecimento dos líderes destes extremos, pelo contrário, mas é efeito de um casuísmo político que afeta o Brasil e vários países do mundo: os extremos radicais sobrevivem de uma narrativa política de combate ao outro extremo, ou seja, a batalha de narrativas extremas faz com que os polos opostos se retroalimentem. Inclusive, nas últimas eleições não eram poucas as pesquisas que indicavam que a maioria do eleitorado gostaria de candidatos menos radicais que os dois principais, mas, que eram “obrigados” a votar em um dos dois para excluir o outro.

Em termos de estratégia eleitoral, as campanhas de 2018 e 2022 no Brasil mostraram que a radicalização é a melhor bandeira de campanha tanto para esquerda como para direita, e estes optaram pela luta entre si. Sim: a esquerda sempre quis um radical de direita como adversário. E sim novamente: a direita também sempre quis um esquerdista raiz como oponente!

Porém, no dia a dia político esse radicalismo é esquecido e a falta de diálogo entre os extremos oportuniza o surgimento do que todos afirmam ser o grande problema da política brasileira: o centrão fisiológico.

E as origens disso têm duas bases principais: ao refutarem o outro extremo político através da radicalização dos discursos, esquerda e direita ideológica fecham as portas para qualquer possibilidade de caminho intermediário entre si, restando a possibilidade do fisiologismo dos que não tem projetos próprios; o sistema político brasileiro, formado por um presidencialismo de coalizão, é muito favorável a eleição de parlamentares que não apresentem qualquer posicionamento ideológico. E isso é muito influenciado pela polarização política das eleições majoritárias, o que faz com grande parte da população sequer pesquise os projetos ou o pensamento do seu candidato ao parlamento. Em resumo: os extremos ideológicos escolhem brigar entre si, cientes que após as eleições a governabilidade dependerá do centrão fisiológico.

No Brasil temos o achatamento de todos os espectros ideológicos não inseridos nos extremos radicais; e o crescimento do fisiologismo como mecanismo de sustentação do radicalismo político.

O termo “centrão” nos moldes como conhecido atualmente surgiu durante a Assembleia Constituinte de 1987, associado a um grupo de parlamentares que anteriormente deram sustentação política à ditadura militar, mas, diante da mudança de regime serviram como “fiel da balança” na disputa entre os grupos de Ulisses Guimarães e José Sarney. E neste momento surgiu a pecha de fisiologistas do grupo, uma vez que os posicionamentos adotados foram voláteis e muitas vezes antagônicos entre si. E todos adotados com base em negociações com os grupos interessados no apoio do centrão, sem que houvesse a necessidade de debates ideológicos ou propositivos (próprios da atividade política em um regime democrático).

Importa ressaltar que a Assembleia Constituinte foi o ponto de partida para o restabelecimento do regime democrático no Brasil, e cronologicamente esta colide com o surgimento do centrão fisiológico, razão pela qual toda uma geração de eleitores mistura os termos centrão fisiológico e centro ideológico. Além disso, todo o regime democrático atual brasileiro foi marcado por forte antagonismo político, por vezes mais radicais, em outras menos radicais, e esse fator fez com que a falta de diálogo entre os extremos fortalecesse o fisiologismo e, por consequência, tornasse a esquerda, a direita e o centro iguais em um aspecto: a dependência ao centrão. E a onipresença deste grupo político levou a confusão entre os “tipos de centro” e ao enfraquecimento do centro ideológico.

Quando se olha para as gestões tidas como centristas, sempre há o acréscimo de uma sutil variação ideológica, resultando no centro-esquerda ou na centro-direita.

Neste ponto surge a dúvida: quais são os critérios distintivos do centro ideológico, em uma necessária comparação com o “centrão”, com a esquerda e com a direita? Inicialmente, o centro ideológico é pautado pela ponderação em relação aos posicionamentos, entendendo que as finalidades das políticas públicas devem prevalecer aos meros posicionamentos políticos (oposição sem fundamentação) e que existem pilares fundamentais que precisam ser aplicados na gestão pública, independentemente do espectro político que esteja no poder. A partir destes pontos surgem duas das principais características do centro: a moderação e o pragmatismo.

Por moderação devemos entender como o comportamento daqueles que evitam excessos, que agem de forma comedida e tem como norte das suas ações a prudência. Quando se olha para as gestões tidas como centristas, sempre há o acréscimo de uma sutil variação ideológica, resultando no centro-esquerda ou na centro-direita. E esta variação é efeito da citada moderação, uma vez que a receptividade a todas as ideias propostas e a disponibilidade em ouvir todos os atores na arena faz com que os parâmetros do centro sejam moldados de acordo com os filtros de razoabilidade e após a devida fundamentação sobre os aspectos positivos e negativos das propostas.

Diante disso, não é incomum nos depararmos com gestores de centro aplicando preceitos do bem-estar social em conjunto com dogmas capitalistas, ou, de forma mais simplista, conciliando preceitos econômicos liberais com a devida atenção as carências sociais. Para os defensores desta ideologia, esta junção prática de visões distintas é resultado/necessidade dos regimes democráticos, afinal, se a democracia é o regime de todos, nada mais natural que todas as posições sejam apresentadas aos representantes e devidamente discutidas (obviamente, desde que de acordo com a lei).

No que diz respeito ao pragmatismo, seu conceito está associado ao filósofo americano John Dewey, e tem que como base a lógica, a agilidade, a celeridade e o realismo, através dos quais as ideias só têm valor se servirem para alcançar soluções, sem qualquer problematização aos obstáculos. Disso decorre a discordância do centro ideológico com os pilares dos extremos ideológicos, uma vez que estes estimulam os seus entusiastas através da problematização de temas que na sua maioria não guardam qualquer relevância no dia a dia da população (como exemplos clássicos as defesas da Venezuela ou do Porte de Armas), enquanto os temas centrais para o desenvolvimento da sociedade não discutidos pela grande massa (aspectos econômicos, saúde pública, infraestrutura etc.).

E, nitidamente, é possível cravar, em consonância com todas as características e estratégias tratadas no texto, que as formas de fazer política e gestão pública dos extremos e do centro ideológico são distintas, pois enquanto esquerda e direita encaram o processo político de forma passional e os adversários como inimigos, o centro político pensa de forma racional, de forma a equacionar todos os aspectos em jogo, com o objeto único de alcançar os melhores resultados (sejam eles quais forem).

Acacio Miranda da Silva Filho é doutor em Direito Constitucional pelo IDP/DF e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada/Espanha.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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