O discurso do presidente Lula, lido em recente reunião da Associação Nacional de Jornais (ANJ), foi equilibrado e conceitualmente preciso. Mas no Palácio do Planalto, e sob sua batuta, a música é outra. Renasce, à sombra de Luiz Dulci, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, nova estratégia de controle da liberdade de imprensa no Brasil.
O governo, como de costume, nega a mão-de-gato. Mas o jornalista Fabio Koleski, autor do texto intitulado Comunicação e Democracia, é um dos principais assessores de Dulci, ministro e amigo do presidente da República. Koleski diz que "sistematizou" sugestões de dezenas de militantes do partido, que podem ou não ser incluídas no programa do governo. O texto sugere, entre outras coisas, a criação de "assembléias populares" para revisão de concessões de rádio e televisão; a formação de uma Secretaria de Democratização da Comunicação no Planalto; a distribuição de incentivos oficiais para jornais independentes.
As idéias, inspiradas no ideário autoritário de Hugo Chávez, mostram, mais uma vez e com clareza meridiana, o que, de fato, se passa na cabeça, e não nos discursos, do presidente Lula. O apreço de seu governo pela imprensa e pelos jornalistas pode ser medido pelo tom, arrogante e desabrido, das palavras do coordenador do seu programa de governo, Marco Aurélio Garcia. O assessor de Lula acusou "alguns" formadores de opinião do país não disse quais de tentar desacreditar a boa avaliação alcançada pelo governo e pela liderança da candidatura Lula nas pesquisas. Classificou de "golpismo" a atuação desses formadores de opinião, que chamou de "deformadores de opinião".
Certamente, você, caro leitor, deve estar buscando as razões de tamanha agressividade. É fácil. Repórteres corretos, editores competentes e formadores de opinião éticos não são vendáveis. Não se agrupam em falanges ideológicas. Não são bibelôs de nenhum governo. Deste, dos anteriores ou dos futuros. Estão, não obstante suas limitações pessoais, comprometidos com a informação, com a verdade factual e com os seus leitores. Por isso incomodam. Na lógica das estratégias autoritárias, jornalistas precisam ser amordaçados e domesticados.
A imprensa, por óbvio, não existe para adular. No exercício da sua missão, denunciou um quadro de corrupção sem precedentes na nossa história. Ministros de Estado despencaram do poder, foram indiciados pela Polícia Federal e denunciados pelo Ministério Público. Presidentes e diretores de estatais viram-se envolvidos em escândalos sucessivos. Assessores e amigos do presidente da República foram pilhados em situações gravemente constrangedoras e positivamente criminosas. Tudo isso não foi "armação da imprensa". Consta, na verdade, de denúncia formal e fundamentada do procurador geral da República. O governo, ao invés de agradecer o trabalho purificador da mídia, instituição essencial na democracia, está empenhadíssimo na urdidura da mordaça.
O cerco à liberdade de imprensa não é novidade. Basta pensar em duas ações deste governo: o anteprojeto do Ministério da Cultura criando a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), para controlar a produção cinematográfica, a programação e as concessões de emissoras de televisão e o projeto que propunha a criação do Conselho Federal de Jornalismo, atribuindo-lhe a prerrogativa de "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão de jornalista e a atividade jornalística no país.
Agora, embalado no sonho de um novo mandato, o governo retoma o contra-ataque à liberdade de imprensa. Mas não vai ser fácil. A sociedade brasileira, ao contrário do que acontece na Venezuela, não depende do Estado de modo tão absoluto. A crise ética é gravíssima. O presidente Lula, que teve uma bela trajetória sindical e política, parece não se dar conta da sua imensa responsabilidade. Apesar de tudo, estamos amadurecendo. O país encontrará o seu eixo. E os que tratam o dinheiro público como negócio privado pagarão o preço da sua delinqüência. Confio no Ministério Público e no Judiciário. O Brasil chegará lá. Pacificamente. Graças aos homens de bem e à força das suas instituições democráticas.