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Artigo

Céticos, heróis e santos

 | Manfredo Ferrari/Wikimedia Commons
(Foto: Manfredo Ferrari/Wikimedia Commons)

Paul Johnson, do alto dos seus 90 anos, é um grande intelectual britânico. Basta pensar no seu extraordinário Tempos Modernos, leitura obrigatória para quem estiver interessado em compreender as raízes culturais do nosso tempo. Seus textos são um convite à reflexão. Dono de uma cultura fabulosa e de uma sinceridade cortante, Johnson não sucumbe aos clichês politicamente corretos. Em sua fascinante trilogia Os Heróis, Paul Johnson vai ao cerne da crise mundial.

“Os heróis”, diz Johnson, “inspiram, motivam (...) Eles nos ajudam a distinguir o certo do errado e a compreender os méritos morais da nossa causa”. E, ao citar os heróis do ocidente, destaca, na Igreja Católica, o papa São João Paulo II. Castigado pelo peso de sua missão e pelas algemas do Parkinson, morreu cercado por uma impressionante multidão de jovens que ocuparam Roma para dar o seu adeus ao grande papa.

O mundo está sedento de liberdade, mas nostálgico de certezas

Os comentários de Johnson e a figura de João Paulo II trazem à minha memória um livro que exerceu forte influência no rumo da minha vida: Caminho. Seu autor, São Josemaría Escrivá, cuja festa a Igreja celebra no dia 26 de junho, foi um apaixonado mestre da busca da santidade no trabalho profissional e nas atividades cotidianas. É o santo dos nossos dias. Prático e realista. Propunha, com ousadia, “materializar a vida espiritual”. Queria afastar os cristãos da tentação “de levar uma espécie de vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e, por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas”. O cristianismo encarnado nas realidades cotidianas: eis o miolo da proposta de Escrivá. Pois bem, no ponto 301 de Caminho, um best-seller da literatura espiritual, encontrei, há bastantes anos, uma chave importante para a interpretação da vida e da história: “Um segredo. – Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. Deus quer um punhado de homens ‘seus’ em cada atividade humana. Depois... pax Christi in regno Christi – a paz de Cristo no reino de Cristo.”

O pensamento de São Josemaría Escrivá, apoiado numa visão transcendente da vida, consegue, de fato, captar plenamente a contextura humana e ética dos acontecimentos. Ele tem, no fundo, a terceira dimensão: a religiosa e moral, e só com essa lente é possível entender a sociedade em que vivemos. O mundo está sedento de liberdade, mas nostálgico de certezas.

Certezas que entusiasmam multidões, mas provocam descargas de bílis nos que vivem de mal com a vida. Recordo-me de um episódio exemplar. Há anos, o falecido Christopher Hitchens, então editor do Canal 4 da televisão britânica, num programa sensacionalista e de ranço panfletário, investiu contra Madre Teresa de Calcutá. O perfil da religiosa, provavelmente escrito num pub londrino, entre um scotch e outro, era uma impressionante combinação de ódio represado, marketing de escândalo e temor agressivo.

Outro jornalista, o francês Dominique Lapierre, em Muito Além do Amor, uma grande reportagem sobre o drama da Aids, mostrou a verdadeira face da santa albanesa. De passagem por Nova York, lera uma notícia de impacto: “Madre Teresa de Calcutá inaugura, em pleno coração de Manhattan, um lar para acolher as vítimas da Aids”. Seu feeling de repórter sugeria uma grande pauta. E seu profissionalismo impunha o elementar dever de garimpar o terreno.

Testemunhou, impressionado, a heroica generosidade das missionárias de Madre Teresa. As mesmas religiosas que ele vira trabalhando nos leprosários de Calcutá estavam agora no coração da América. Seus hóspedes, órfãos de uma sociedade opulenta, eram ex-presidiários da penitenciária de Sing Sing, toxicômanos do Harlem, frequentadores de bares e saunas gay. Todos, sem exceção, eram tratados como seres humanos. Lá, diria Lapierre, a solidariedade entra pelos olhos.

A santidade assusta e incomoda. São Josemaría Escrivá acertou no cravo: “Estas crises mundiais são crises de santos.”

A todos, um feliz 2019!

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