Máscaras foram e seguem sendo promovidas por órgãos oficiais, notadamente a Anvisa e alguns governos estaduais, como ferramentas importantes para o combate à propagação do vírus SARS-CoV-2. Embora as máscaras sejam intervenções plausíveis, do ponto de vista mecanístico (experimentos em laboratório) e intuitivo, sua eficácia não foi validada em ensaios clínicos randomizados e controlados (RCTs). Este dado foi apontado corretamente pelo presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) em ofício à ANVISA. Deve-se frisar que a exigência de que máscaras passem pelo crivo de RCTs não é mera formalidade, medicamentos e terapias raramente são aprovados sem que haja sido conduzido um ou mais RCTs com resultados claros e estatisticamente significativos.
A eficácia das máscaras na redução da transmissão viral foi testada em vários RCTs antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Esses estudos foram revisados e atualizados pela Cochrane, em um documento de 300 páginas, publicado no final de janeiro de 2023. A Cochrane é uma rede internacional de colaboradores cuja missão é analisar e resumir as melhores evidências de pesquisas biomédicas, fornecendo informações confiáveis, sem interferência de interesses comerciais e financeiros, sendo o principal defensor global da saúde baseada em evidências. As revisões Cochrane são reconhecidas internacionalmente como referência de informações de alta qualidade. Durante 10 anos, ministrei uma disciplina sobre ciência e pseudociência para alunos de pós-graduação da USP. Sempre que algum aluno perguntava “qual fonte de informações clínicas e biomédicas é confiável?”, respondia, sem pestanejar: a Cochrane. Isso era correto bem antes do surgimento da pandemia de Covid-19 e segue correto ainda hoje.
Durante a pandemia de Covid-19, máscaras foram promovidas como uma ferramenta importante para a redução ou, até mesmo, a interrupção da propagação do SARS-CoV-2 na população.
Voltando à revisão da Cochrane, o documento aborda o efeito de diversas intervenções não-farmacológicas sobre a transmissão de vírus respiratórios, entre elas, as máscaras médicas/cirúrgicas, que são as mais comumente usadas pelas pessoas. A conclusão da análise de 13 RCTs, conduzidos entre 2008 e 2022, foi a de que a redução de risco proporcionada pelas máscaras, baseada em testes laboratoriais de influenza/SARS-CoV-2 foi de 1,01. O intervalo de confiança, que indica a variação entre os estudos analisados na revisão, foi de 0,72 (redução de risco de 28%) a 1,42 (aumento de risco de 42%). Traduzindo: para que as máscaras tivessem algum efeito, a redução de risco deveria ser menor que 1,0. Porém, foi constatado efeito nulo de máscaras sobre a transmissão viral. Cabe lembrar que estas são as melhores evidências científicas existentes.
Em realidade, a ineficiência das máscaras já havia sido constatada na revisão anterior da Cochrane publicada em dezembro de 2020. Mesmo antes disso, qualquer um que tivesse se debruçado sobre a literatura científica da área teria deduzido o mesmo. Em julho de 2020, publiquei em minha página na internet um post sobre máscaras com a seguinte conclusão: “existem pouquíssimas evidências confiáveis de que o uso de máscaras, seja por pessoas sadias ou por pessoas infectadas, traga algum benefício consistente na prevenção de doenças respiratórias”.
Se máscaras tivessem algum efeito sobre a transmissão viral, a população espanhola e italiana deveriam figurar no final da lista de taxas de casos de Covid-19, mas não é isso que mostram os dados.
Uma alegação frequente dos defensores do mascaramento é a de que, nos últimos 3 anos, a ciência das máscaras evoluiu e hoje sabemos que não bastam máscaras de pano, médicas ou cirúrgicas, tem que ser respiradores do tipo P2/N95. Para início de conversa, a esmagadora maioria das pessoas utiliza máscaras de pano ou máscaras cirúrgicas, que são muito mais acessíveis que respiradores. A revisão da Cochrane também avaliou 5 RCTs que compararam respiradores P2/N95 às máscaras médicas/cirúrgicas. A redução de risco foi de 1,10, com intervalo de confiança de 0,90 a 1,34, o que significa que as máscaras cirúrgicas/médicas tiveram desempenho um pouco melhor, mas insignificante do ponto de vista estatístico. Além disso, em dezembro de 2022, foi publicado um RCT comparando o efeito de máscaras médicas e respiradores N95 contra a transmissão de COVID-19. Este estudo, conduzido em 29 unidades de saúde no Canadá, Israel, Paquistão e Egito, foi o maior RCT sobre respiradores N95 já realizado. O resultado foi que não houve nenhuma diferença significativa entre os grupos que usaram N95 e aqueles que usaram máscaras médicas. Ou seja, N95 não é melhor do que máscaras mais simples. E já que sabemos que máscaras médicas não previnem a transmissão viral…
Um outro tipo de análise, menos rigorosa que o RCT, mas, ainda assim, informativa e acessível a qualquer pessoa, são os dados do mundo real (também chamadas de evidências ecológicas). Por exemplo, mostrei em um artigo científico publicado em abril de 2022 que a Espanha e a Itália, tiveram, respectivamente, índices de mascaramento de 95% e 91% (porcentagem de pessoas que afirmam sempre usar máscara ao sair de casa), ou seja, os maiores níveis de adesão às máscaras de toda a Europa, durante o inverno de 2020-2021. Nesse mesmo período, a Itália e a Espanha ocupavam o 20º e o 18º lugar em número de casos de Covid-19 entre 35 países europeus analisados. Ora, se máscaras tivessem algum efeito sobre a transmissão viral, a população espanhola e italiana deveriam figurar no final da lista de taxas de casos de Covid-19, mas não é isso que mostram os dados.
Os mandatos de máscaras foram decretados com base em estudos de baixa qualidade, em detrimento de estudos randomizados muito mais confiáveis.
Outro exemplo, o Japão, conhecido pela alta adesão às máscaras, mesmo antes da pandemia, registrou entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2022, um aumento de 15 vezes nos casos de Covid-19 (de 1,73 milhão para 29,23 milhões de casos), embora a taxa de uso de máscaras nunca tenha caído abaixo de 85% neste país. De fato, no primeiro ano da pandemia, o alto nível de mascaramento no Japão foi alardeado como sendo motivo para os baixos índices de Covid-19 naquele país. Se estivessem esperado mais um pouco, os experts teriam constatado que o aparente sucesso do Japão no combate a Covid-19 foi efêmero e não teve relação alguma com as máscaras. Embora evidências ecológicas não possam ser utilizadas para inferir causalidade, devido a uma multitude de fatores confundidores, elas indicam que a nível populacional, as máscaras também falharam.
É interessante notar que máscaras foram, e ainda são, comparadas a preservativos: máscaras estão para vírus respiratórios, assim como preservativos estão para doenças sexualmente transmissíveis (DST). No entanto, preservativos e máscaras não são comparáveis, principalmente porque esses dois acessórios fornecem níveis de proteção completamente distintos. Não é possível testar diretamente o efeito de preservativos sobre a prevenção de DSTs por considerações éticas (especialmente em casos de doenças incuráveis, como a AIDS). Em substituição, foram realizados RCTs comparando a eficiência de preservativos de látex ou de outro material na prevenção da gravidez. A eficácia média dos tradicionais preservativos de látex, de 11 estudos separados, foi de 97,8% (redução de risco de 50 vezes). Por outro lado, o RCT mais favorável ao uso de máscaras, mostrou uma redução de risco de apenas 11,6% (1,13 vezes). Portanto, o argumento de que as máscaras são comparáveis aos preservativos é um disparate.
Há estudos na literatura científica que mostram que máscaras são eficientes como barreiras de transmissão de vírus respiratórios? Sim, há. Mas são todos estudos observacionais (ou suas revisões) de baixa qualidade, se comparados aos RCTs. São estes estudos de qualidade inferior que foram utilizados pelos governos e mídias para impor máscaras à população. Este ponto é tão importante que irei repeti-lo: os mandatos de máscaras foram decretados com base em estudos de baixa qualidade, em detrimento de estudos randomizados muito mais confiáveis, mas que demonstraram, em sua totalidade, a ineficiência das máscaras.
As melhores evidências disponíveis não sustentam nem mesmo a recomendação do uso de máscaras, muito menos a sua compulsoriedade.
Como regra geral, quanto melhor a qualidade do estudo (por exemplo, ensaios observacionais versus randomizados), menor a eficácia das máscaras. Esta regra também se aplica a ensaios clínicos de “terapias alternativas”, que, via de regra, apresentam efeitos positivos pequenos, perigosamente suscetíveis a vieses. Estes ensaios não devem ser tomados como evidência de causalidade e certamente não devem informar as políticas de saúde pública. Por outro lado, intervenções eficazes, como preservativos para a prevenção da gravidez e DSTs, e vacinas e antibióticos para a prevenção e tratamento de doenças infecciosas, geralmente fornecem resultados conclusivos robustos. Tomemos, por exemplo, duas meta-análises da Cochrane que examinaram o uso de antibióticos. Em uma delas, foram testados antibióticos para pneumonia grave em crianças, com taxas de sucesso de 80-90%. Outra meta-análise revisou o uso de antibióticos contra a tifo rural com taxas de sucesso de 95-100%. Vimos também que os preservativos têm taxas de eficiência de 98%. Em contraste, a meta-análise da Cochrane sobre máscaras, mostrou efeito zero sobre a transmissão de vírus influenza ou SARS-CoV-2! É por isso que antibióticos e preservativos são intervenções eficazes e máscaras não.
Tendo em vista o exposto acima sobre a ineficiência das máscaras em testes de qualidade, por que algumas autoridades médicas ainda mantêm que elas devem continuar sendo utilizadas? Algumas hipóteses: (1) a barreira física confere, intuitivamente, uma sensação de segurança – mesmo sabendo que máscaras não protegem, me sinto mais seguro quando visto uma; (2) há evidências mecanísticas (experimentos de laboratório), que demonstram que máscaras tem capacidade de filtração de partículas virais (se bem que máscaras cirúrgicas ou de pano, usadas pela grande maioria das pessoas, fornecem apenas 10 a 12% de eficiência de filtração); (3) desconhecimento das evidências científicas.
Estranhamente, algumas autoridades ignoram as evidências fornecidas pelos RCTs já realizados e alegam que mais testes clínicos deveriam ser conduzidos, mas não agora. Isso porque, a condução de RCTs para testar a eficiência de máscaras durante a pandemia seria antiética. Segundo essa corrente ideológica, o princípio da precaução sugere que usemos máscaras, mesmo sem saber se funcionam ou não. Porém, cabe lembrar que dois RCTs de máscaras foram conduzidos durante a pandemia de Covid-19. Adicionalmente, todos os ensaios randomizados, realizados até o presente momento, mostraram consistentemente que as máscaras são ineficazes na redução da transmissão viral; portanto a inclusão de um grupo controle (sem máscaras), mesmo durante uma pandemia, muito provavelmente não colocaria nenhum participante do estudo em risco.
Em resumo, durante a pandemia de Covid-19, máscaras foram promovidas como uma ferramenta importante para a redução ou, até mesmo, a interrupção da propagação do SARS-CoV-2 na população. Muitos governos obrigaram, por lei, o uso de máscaras em locais públicos. No entanto, mesmo antes da pandemia, as melhores evidências disponíveis – ensaios clínicos randomizados e controlados, já mostravam que as máscaras são ineficazes para conter a transmissão viral respiratória. Dados de RCTs adicionais produzidos durante a pandemia reforçam essa conclusão. Portanto, as melhores evidências disponíveis não sustentam nem mesmo a recomendação do uso de máscaras, muito menos a sua compulsoriedade. Termino este artigo parafraseando o dr. Gallo, presidente do CFM: “O uso de máscaras como sinalização de virtude ou como medida de sensação de pertencimento social jamais podem ser impostas a pessoas que não compartilham de tais ideologias ou comportamentos, em especial na ausência de evidência científica ou mesmo eventual prejuízo à saúde do paciente, como é no caso em tela.”
Beny Spira é doutor em Genética Molecular pela Universidade de Tel-Aviv, com pós-doutorado em Genética e Evolução Bacteriana pela Universidade de Sydney, e professor de Microbiologia na Universidade de São Paulo.
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