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É notório que, na atualidade, os tribunais brasileiros estão assoberbados de processos, fator que, por um lado, contribui para a morosidade da prestação jurisdicional e, por outro, enseja a busca por soluções no sentido da redução da judicialização dos litígios, dos custos com a máquina judiciária e com o tempo de tramitação dos processos.
No caso específico do STF, muito embora os últimos indicadores apresentem significativa redução do número de processos, há aproximadamente 25 mil demandas em curso, sendo que apenas no ano de 2020 foram proferidas no Supremo pouco mais de 99 mil decisões, entre monocráticas e colegiadas, o que aponta para uma absurda média de 9 mil decisões por ministro no ano.
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Apenas a título de comparação, a Suprema Corte dos Estados Unidos, composta atualmente por nove ministros (Justices), recebe aproximadamente 7 mil pedidos de revisão de casos (writ of certionari) ao ano, sendo que algo entre 100 e 150 casos ultrapassam o filtro de admissibilidade e são efetivamente julgados.
Nesse cenário, são apontados vários mecanismos para a redução do contingente de processos, de modo a se descongestionar o tribunal e, consequentemente, aprimorar o exercício do poder jurisdicional e a qualidade dos julgamentos da nossa corte constitucional.
Algumas soluções – ainda que discutíveis, por fatores diversos – vêm sendo aplicadas com relativo êxito, como a ampliação da informatização e do uso da inteligência artificial, alterações regimentais que possibilitam o julgamento monocrático de determinadas questões, ampliação do filtro da repercussão geral, realização de sessões na modalidade virtual etc.
Outras alternativas seguem como objeto de debate público, como é o caso do aumento do número de ministros e a redução da competência do STF apenas a questões de índole constitucional.
A ampliação de membros do STF – atualmente, segundo o caput do artigo 101 da Constituição, são 11 ministros – é solução das mais sensíveis ao regime democrático. No início da ditadura militar, uma das medidas de controle da suprema corte pelo Executivo federal consistiu no aumento do número de ministros, sendo que a memória histórica e a comprovada quebra da independência judicial do STF contribuem para que a questão permaneça intocada.
Já a redução de competências do STF aparece como medida salutar, não apenas no sentido de contribuir para a diminuição dos casos no tribunal, como também para reforçar o papel de corte constitucional atribuído ao Supremo.
Atualmente, a competência do STF está delimitada nos incisos I a III do artigo 102 da Constituição, e abarca incríveis 23 situações abstratas distintas de casos que podem aportar para processo e julgamento na instância de maior hierarquia judiciária do país.
Com esta competência inequivocamente alargada, não é incomum, por exemplo, que questões jurídicas de menor relevo sejam apreciadas pelos ministros. No campo penal, existem discussões no Supremo a respeito da contravenção penal envolvendo o exercício ilegal da profissão de “flanelinha” (!) – no HC 115.046 –, ou ainda sobre a aplicação do princípio da insignificância ao furto de bens que, somados, atingem montante inferior a algumas dezenas de reais. Na esfera cível, administrativa e tributária, discussões jurídicas em casos de pouca expressão social ou econômica também são diuturnamente julgadas pelos ministros.
A solução para esta questão envolve modificação do texto constitucional. No âmbito do Legislativo federal, tramitam projetos legislativos que pretendem, em maior ou menor extensão, reduzir as competências do STF, atribuindo-lhe o papel exclusivo de corte constitucional. É o caso da PEC 275/2013, de iniciativa da Câmara dos Deputados e à época subscrita pela deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), que, dentre diversas modificações, propõe a redução da competência do Supremo apenas a demandas de índole efetivamente constitucional, como o são, em linhas gerais, as ações diretas de inconstitucionalidade, arguições de descumprimento de preceito fundamental e recursos extraordinários.
Ainda que a proposta seja bastante limitativa e contenha pontos questionáveis, é indiscutível que, no atual contexto democrático, uma sensível diminuição das competências constitucionalmente previstas ao STF se afigura como medida salutar. É impensável, por exemplo, que demandas oriundas dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais possam aportar ao ápice da pirâmide judiciária do país.
Alteração do rol de competências do STF é questão necessária, sendo inviável que a última palavra a respeito da licitude ou ilicitude da profissão de flanelinha siga sendo dada pela mais alta instância judiciária do país.
Outras questões que possuem relevância jurídica, mas não ostentam estatura verdadeiramente constitucional, podem ser transferidas ao julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça – aumentando-se o número de ministros desta corte, que atualmente é composta por 33 julgadores –, como é o caso de decisões envolvendo extradição e os mandados de segurança contra ato do Tribunal de Contas da União.
Igualmente, a redução da competência penal originária do STF a poucos cargos públicos – por exemplo, aos crimes praticados pelo presidente, vice-presidente, procurador-geral da República e os presidentes da Câmara e do Senado – é medida profícua. Às demais autoridades com prerrogativa de julgamento no STF, como os ministros de Estado, deputados federais e senadores, caso se entenda pela manutenção do foro por prerrogativa, poder-se-ia transferir a competência originária ao STJ.
O que se pode dizer, em suma, é que a alteração do rol de competências do STF é questão necessária, sendo inviável que a última palavra a respeito da licitude ou ilicitude da profissão de flanelinha siga sendo dada pela mais alta instância judiciária do país.
Bruno Milanez é advogado, mestre e doutor em Direito Processual Penal e especialista em Criminologia.