• Carregando...
 | Marcos Tavares/Thapcom
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

O governo tem, hoje, dois tipos de gastos. O primeiro é o das despesas obrigatórias, compostas pelo pagamento do principal e juros da dívida pública, salários e aposentadorias de servidores, fundos diversos (Partidário, de Participação dos Estados, de Participação dos Municípios etc.) e despesas com valores mínimos fixados pela Constituição, como 15% para saúde e 18% para a educação. O segundo grupo é o dos “gastos discricionários”, despesas escolhidas livremente pelo governo, caso dos investimentos em infraestrutura e pesquisa cientifica, entre outros. Tendo ou não tendo dinheiro no cofre, o governo é obrigado a honrar estes gastos obrigatórios, mesmo que isto gere déficit público, como de praxe ocorre.

A União tem, hoje, 93% de todo o seu orçamento comprometido com despesas obrigatórias – os famosos recursos “carimbados”. Assim, resta-lhe pouca margem (somente 7%) para gastos em outras rubricas que sejam importantes. O resultado é um governo, de certa forma, engessado, algo que se reflete também na administração de estados e municípios. O porcentual é altíssimo – assustador, diria. Essas despesas obrigatórias de custeio cresceram em descompasso com a realidade, inclusive com gastos perdulários e que não priorizavam os gastos ligados aos fins do governo: o bem-estar social, com ênfase para a saúde, educação e segurança.

Antes de pensar em flexibilização, seria muito mais prudente rever a eficiência dos gastos públicos

O governo federal estuda uma mudança na legislação para “desengessar” o orçamento por meio de uma proposta de emenda à Constituição. A ideia gerou interesse inicial de muitos parlamentares, em especial de muitos governadores, inclusive de oposição. Como os estados estão quebrados, estes gestores têm interesse em redirecionar seu caixa para facilitar a sua administração – e, obviamente, gastar de acordo com seus interesses e plataformas. O governo federal pretende usar o assunto para incentivar governadores e prefeitos, que em troca incentivariam suas bancadas a ajudar na aprovação da reforma da Previdência, vital para a economia brasileira, mas impopular entre grande parte dos parlamentares, por afetar suas bases eleitorais.

Tecnicamente falando, a flexibilização seria excelente, podendo mudar para melhor a administração pública, com o emprego de recursos públicos em questões mais prioritárias. Isso, no entanto, se tivéssemos uma cultura de lisura e eficiência na máquina pública, com qualidade nos gastos. Mas temos este ponto delicado e estrutural: a péssima qualidade da administração pública em todos os âmbitos de governo, que, somada à corrupção, levou a desastres como os desvendados pela Operação Lava Jato. As exceções são raras. Assim, a PEC da flexibilização dos gastos orçamentários poderia se tornar uma ferramenta de acentuação do déficit público, com o aumento da corrupção no país como um todo.

Antes de pensar em uma medida desta natureza, seria muito mais prudente rever a eficiência dos gastos públicos. O governo gasta muito, por exemplo, com a “bolsa empresário”, o crédito subsidiado, como ocorreu com o incentivo à compra de caminhões. Somente de transferências para o setor privado, a fundo perdido, foram R$ 350 bilhões, segundo dados do Ministério da Fazenda, atual Ministério da Economia. Estes valores são dez vezes o gasto com o Bolsa Família. Sem contar empréstimos com juros abaixo da Selic para grandes empresas, obras faraônicas e desnecessárias que poderiam ser repassadas ao setor privado e desonerações fiscais, uma soma que chega a trilhões, grande parte deles sem resultado efetivo.

Nossas convicções: Fortalecimento do modelo federativo

Leia também: Menos barulho, mais análise! (artigo de Leide Albergoni, publicado em 5 de dezembro de 2017)

Além disso, em áreas como saúde e educação, não podemos em hipótese alguma pensar na possibilidade de redução dos porcentuais estabelecidos na Constituição, pois os valores aplicados atualmente não são suficientes, além de mal geridos, muitos com indícios de corrupção, alguns comprovados. O bom senso diz que não deveríamos colocar estes dois itens em discussão.

Uma PEC de flexibilização dos gastos públicos pode até ser enviada, mas contemplando duas questões fundamentais: deixar de fora, como dissemos, qualquer redução de porcentuais constitucionais para saúde e educação, pois estão abaixo da média da OCDE e abaixo do ideal; e, nas despesas que forem flexibilizadas, prever dispositivos de punição cível e criminal que desestimulem desvios. Não basta alegar que já temos, para isso, a Lei de Reponsabilidade Fiscal e a Lei da Ficha Limpa. Elas foram grandes avanços, mas não inibiram o déficit atual, nem o superfaturamento de obras, pois as punições previstas são brandas em muitos casos.

A verdade é que, se tivéssemos hoje uma flexibilidade de gastos da forma que está sendo defendida, estaríamos todos em uma situação de calamidade pública igual à de alguns estados, uns por corrupção – o Rio de Janeiro é caso emblemático, com o ex-governador Sérgio Cabral quebrando o estado mesmo sem flexibilização – e outros por má gestão, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Portanto, a ideia, ainda que seja positiva em certo aspecto, não seria a panaceia que resolveria os problemas econômicos dos governantes brasileiros.

Màrcello Bezerra é professor e economista.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]