| Foto: Pixabay

Faz 70 anos, a China era símbolo de pobreza, desigualdade social, submissão colonial, atraso científico. Em 1.º de outubro de 1949 o Partido Comunista tomou o poder e começou a conquistar independência, forçar a industrialização, construir a igualdade, desenvolver ciência e tecnologia, adquirir estabilidade política. Esse novo país enfrentou décadas de isolamento internacional, retrocesso social, desagregação econômica, conflitos internos.

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Hoje, pela atual estabilidade e consistente perspectiva, pode-se dizer que a China é a principal superpotência do futuro com coesão e rumo. O avanço chinês se deve à reforma das estruturas do passado e ao planejamento para seguir em frente. A estruturação do poder por dentro de um partido único assegura não apenas continuidade sem reviravoltas eleitorais mas serve também para filtrar os candidatos à liderança, evitando aventureiros, demagogos, incompetentes e corruptos. A China implantou uma forma política de dar continuidade às decisões, pelo debate permanente dentro do partido, no lugar do debate entre partidos.

O modo chinês não pode nem deve ser copiado na cultura individualista e imediatista do Ocidente

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Obviamente, esse sistema se choca com as definições ocidentais de democracia. Diferentemente da primazia do individual e sua maioria, a China adota um sistema coerente com sua cultura de coletivismo e meritocracia. De fato, a China não cabe nos nossos dicionários. Tampouco sua economia cabe dentro da caixinha do verbete capitalismo, ainda menos no conceito de comunista. A China está inventando um novo modo de combinar economia e sociedade.

Isso é possível pela valorização do mérito de cada pessoa para conquistar fortuna ou prestígio, ao adquirir patrimônio ou instrumento de construção social. Reforçada a partir de 1978, esta visão tem mais de dois mil anos, desde que Confúcio consolidou a ideologia do coletivo, do mérito e da valorização suprema da educação.

O radical compromisso com o avanço técnico faz parte da alma chinesa, como também o cuidado para proteger os que não conseguem se adaptar ao avanço. A China consegue reunir a ansiedade pelo progresso com o atavismo pela tradição.

Ao fundir 70 anos de revolução comunista e 40 de revolução capitalista, a China ensina que os dicionários de ideias antigas não servem para definir o que acontece por lá. Para eles o bem público não é sinônimo de grátis, porque eles consideram que alguém paga pelo que alguns recebem de graça. Por isso, a escola cobra uma pequena mensalidade. O modo chinês não pode nem deve ser copiado na cultura individualista e imediatista do Ocidente mas, se queremos avançar, é preciso copiar dos chineses sua liberdade na formulação de conceitos: perceber que as explicações da realidade presente e os sonhos utópicos não cabem nos dicionários do passado.

Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.

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