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Juntamente com o transporte, a habitação é certamente um dos problemas mais difíceis de enfrentar no gerenciamento de uma cidade. De um lado, recursos financeiros sempre limitados; de outro, uma população crescente; e de outro ainda, menor disponibilidade de terrenos. Essa é uma equação que não pode mesmo dar certo. O resultado é conhecido: mora-se mal, toma-se muito tempo para se deslocar e as casas encolhem.

O déficit habitacional, com pessoas sem casa para morar ou morando em condições subnormais, é o que traduz essa situação. Para entender essa questão, interessa saber também onde se constroem as casas, ou como a cidade cresce: em edifícios, em casas individuais, em invasão e em conjuntos habitacionais de interesse social do padrão Cohab. Ainda não temos entre nós os grandes empreendimentos habitacionais que criam novas cidades, para população acima de 100 mil ou 200 mil habitantes. Os chineses o fazem não apenas em seu país, como exportam projetos e obras para vizinhos mais pobres. A Cohab de Curitiba conta com uma história de quase 50 anos com grandes esforços, dedicação e ineditismo de projeto, mas sempre sucumbindo à histórica falta de recursos, falta de terrenos próximos às áreas mais centrais e ao conhecido empobrecimento da população que sofre para pagar financiamentos. Passaram-se décadas nas quais o esforço de empresas municipais dedicadas à redução do déficit habitacional pelo Brasil tiveram de lutar contra algo que lhes é muito maior. Acertaram na ação, mas não puderam acertar na escala de tamanho do problema.

É difícil concordar com o fato de que nosso solo urbano e metropolitano seja ocupado pela decisão limitada do proprietário da terra. Eu construo aqui, um outro ali, outro ainda invade acolá, a Cohab inaugura um conjunto e as construtoras se espalham com suas obras por onde lhes é mais conveniente.

Como adequar esse mosaico que se forma ao longo de um grande período de tempo com o desenho que o planejamento quer para a cidade? Claro, leis existem; temos Plano Diretor, zoneamento e lei de parcelamento. Mas tais instrumentos são utilizados apenas quando da decisão individual de se construir ou das próprias prefeituras. Mesmo sob os auspícios de uma forte recuperação econômica, continuamos viciados na pequena intervenção.

Na região metropolitana de Curitiba, assim como em menor dimensão na capital, ainda se fazem loteamentos para 100 ou 200 terrenos, os quais aguardarão a decisão e capacidade de o proprietário construir sobre ele. Mesmo com uma taxa de crescimento demográfico em forte desaceleração, essa prática apresenta resultados anárquicos frente às diretrizes do planejamento e irrisórios frente à enorme demanda por moradias. Mesmos com a taxa de crescimento em queda, ainda temos um passivo que se iniciou nos anos 1970, quando deixamos de ser rurais e viemos morar nas cidades deste país. Para um problema dessa dimensão, a única solução é saber aproveitar os recursos financeiros e o momento de otimismo que agora parecemos ter.

Os chineses anunciaram a construção de uma cidade, ao norte de Hong Kong, com mais de 40 milhões de habitantes, agregando grandes cidades já existentes, mas preenchendo os vazios segundo diretrizes regionais. Pode ser um pesadelo morar nesta cidade de tamanho sem fim, mas a culpa não é da ideia, é da demanda.

Exemplos de cidades completamente novas, há mais de uma década, deixam de ser exercício onírico de urbanistas; ao contrário, são planejadas, construídas e imediatamente ocupadas, com fila de compradores interessados. Alguns exemplos, asiáticos: New Sondo City, na Coreia, abrigará, ainda em 2015, 80 mil apartamentos e tudo o que se precisa para viver numa cidade. Xangai, numa inciativa de atender à demanda sobre seu próprio território, propõe a construção de sete outras cidades em seu entorno oeste; a maior delas abrigará mais de 1 milhão de habitantes.

Em Luanda, capital da Angola, os chineses constroem uma nova "constelação" urbana que poderá abrigar mais de 200 mil habitantes: Kilamba Kiaxi. As obras estão prontas, os apartamentos à venda já são disputados entre os que poderão pagar 200 mil dólares em 20 anos. O padrão construtivo é médio, a densidade é alta. Mas isso impressiona e anima, a solução parece existir, ainda mais quando sabemos que a culpa dessa escala apocalíptica não é do projeto, mas da demanda, que é grande. Na próxima vez que pensarmos em déficit habitacional em Curitiba, vale se aconselhar com os chineses.

Clovis Ultramari, arquiteto, é professor na PUCPR.

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