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Cidadão-objeto e o direito à privacidade

Nunca, nos textos constitucionais, houve tanta garantia à privacidade, como aquela assegurada pela lei suprema de 1988. Os incisos X, XI e XII do artigo 5.º e muitos outros dispositivos asseguram, em regime democrático de direito, a privacidade, sendo cláusulas pétreas, imodificáveis, inalteráveis até por emenda constitucional (art. 60, § 4º, inciso IV, da Carta Magna). Por outro lado, nunca os cidadãos e residentes no país tiveram tão pouco, senão nenhuma privacidade, como na realidade atual, em que o Estado mastodôntico, cujos tentáculos sugam a vida do "cidadão-objeto", não lhes permite nenhum ato, passo ou ação que não sejam pelo novo grande irmão brasileiro controlados.

Os cidadãos brasileiros são objetos a serviço do Estado, remunerando regiamente os que estão enquistados no poder – Ayn Rand, no livro A revolta de Atlas, chama-os de "saqueadores" –, sendo por eles controlados. Todos os seus bens, trabalho, renda e o que for são tributados. Desde que nascem, têm de pagar por tudo, em valores superiores à qualidade do serviço recebido, ou seja, pela luz, coleta de lixo, moradia, vigilância, iluminação pública, pelas residências em que moram, pelos carros e meios de transporte que utilizam, pelas escolas públicas e privadas – já que é ridículo o porcentual de isenção do Imposto de Renda para essa finalidade – e por todos os serviços que o Estado presta ou finge prestar. O Imposto de Renda sobre o "emburrecimento nacional" incide sobre aqueles que quiserem manter seus filhos em boas escolas, pois não interessa ao governo o aprimoramento da educação. Daí "assegurar" o ensino apenas nas escolas públicas, reconhecidamente insuficientes e ruins, assim como em estabelecimentos privados de baixa qualidade.

Por outro lado, a Receita Federal, via controles diretos e indiretos, tem mais dados sobre cada brasileiro ou estrangeiro aqui residente do que eles próprios têm de si mesmos. É que, como somos objetos, meros produtores de tributos, sem direito nenhum senão o de ficar calados, o Estado impõe, sem prestação de serviços dignos – o reembolso dos procedimentos do SUS, por exemplo, não é atualizado há 19 anos! –, uma das mais altas cargas tributárias do mundo, muito maior que a das três maiores economias do globo (EUA, China e Japão) e também da capital do sistema financeiro (Suíça).

No Brasil, os computadores governamentais controlam tudo e sabem da vida de cada um, em pormenores inacreditáveis. Agora, o governo pretende controlar as viagens que os brasileiros fizerem para fora do país, em lugares onde a soberania das suas leis não chega. Por isso, a partir de 2015, quem viajar terá todo o seu roteiro controlado pelo Estado brasileiro – espécie de "Grande Irmão", do livro de Orwell – através das companhias aéreas e agências de viagens, além de outros mecanismos, a título de "reforçar" (é o que dizem) o controle aduaneiro, quando tais pessoas voltarem ao Brasil. No romance de Orwell, o controle era de tal ordem que as pessoas não podiam falar umas com as outras, nem namorar, sem autorização do Estado. Trata-se de procedimento muito semelhante ao contrato que os médicos cubanos enviados ao Brasil fizeram com o seu governo, visto que até para visitas de familiares ou amigos têm de pedir autorização para a suprema autoridade cubana no Brasil!

Se examinássemos, do ponto de vista estritamente constitucional, os dispositivos da Lei Maior que asseguram o sigilo de dados e a inviolabilidade da privacidade, todo esse aparato de controle seria inconstitucional. No Brasil, todavia, tudo é possível para o governo, de tal maneira que a implantação desse controle absoluto além-fronteiras certamente será realizada "a bem do interesse público", leia-se "do bem-estar dos detentores do poder", que recebem, entre ativos e inativos, dez vezes mais do que o governo garante aos 13 milhões de beneficiários do Bolsa Família.

O "cidadão-objeto fiscal" em que o brasileiro se transformou em breve será o "cidadão escravo da gleba", tal como no regime medieval, com menos direitos do que tinham os agricultores da época, embora sustentassem seus suseranos.

Ayn Rand tinha razão. Estamos sendo saqueados.

Ives Gandra da Silva Martins, advogado tributarista, é professor emérito das universidades Mackenzie e Unip, e fundador e presidente honorário do Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).

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