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 | Rodrigo Felix Leal/Gazeta do Povo
| Foto: Rodrigo Felix Leal/Gazeta do Povo

Há muito tempo não contemplava a cidade pelo olhar do passageiro. Sempre dirigindo, cabeça centrada no destino, o campo de observação encolhe. Além de que, ao cair nas armadilhas da rotina, a cegueira nos domina. Mas atualmente o hábito traz vantagem, conheço de cor os buracos do trajeto. Não estranhe, é isso mesmo. As crateras se multiplicam pelas vias da cidade. Perigo no volante.

Percorrendo agora outro caminho, confortável no banco do carona, com ângulo de visão dilatado, descubro outra paisagem além do asfalto esburacado. Igualmente triste, infelizmente.

Já no primeiro muro, bato o olho, me revolto – o que vejo é coisa feia. O carro se movimenta livre, não há trânsito, só buraco atrapalhando. Cedo ainda, o comércio fechado revela toda a dimensão da sujeira. Porta, parede, prédio inteiro. Tudo dominado pelo esguicho. Inclusive túmulos no cemitério profanados de borrifo. Nem sequer os mortos escapam. Assassinos da beleza reduzem a diversidade em traços monocórdios de feiura.

Que mórbido prazer é esse de emporcalhar nossa querida cidade?

Rua após rua, o mesmo cenário de abandono. A praga mancha tudo, impiedosa. Nem o monumento da praça é poupado, até o busto em bronze do herói da pátria foi atacado.

Que mórbido prazer é esse de emporcalhar nossa querida cidade?

De hábito noturno, escalam invisíveis sob o manto protetor da escuridão. Quem sabe haja permissividade do poder público acobertando os rastros dessa gente; do contrário, como justificar tanto rabisco? Ou estou resmungando sozinho e a maioria silenciosa apoia iniciativa que eu desprezo?

Pena não gostarem de aparecer; preferem a noite pra esconder o rosto. Melhor seria se buscassem publicidade dos holofotes ao recluso anonimato. Assim atuariam à luz do dia, queimando adrenalina em coisa útil.

Sigo a viagem na torcida para que esse pessoal abandone desafio fortuito, dando melhor destino ao recurso desperdiçado. Que se humanizem espalhando bondade, ou se recolham em casa. Muito ajuda quem não destrói esforço alheio.

Há quem apoie o exército de borradores, tudo bem, enxergam arte naquilo. Não vamos aqui discutir preferência. Propus, e o companheiro ao lado concordou, que se delimite perímetro de atuação. Façam o que bem entenderem em suas próprias residências.

Uma fachada limpa ilhada por tanta nódoa chama a atenção. “Qual o segredo pra mantê-los afastados?” O colega responde: não existe perdão nem trégua. Edifício bonito é esforço dos condôminos, energia triplicada pra manter limpeza efêmera, que dura um dia só.

Deixamos o Centro e os bairros, ganhamos a rodovia. Lá adiante, parece que as construções acabam, começa o verde do mato. Última edificação, ao que parece, uma fábrica de tinta, informa o letreiro grande. Maculado pela pichação fresca. Um operário escala a superfície vandalizada, o companheiro comenta. “Dinheiro não é problema pra retocar essa placa.” O faturamento em expansão da indústria justifica o custo extra.

Florentino Augusto Fagundes é professor de Matemática da PUCPR.
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