Quando escutamos órgãos internacionais afirmarem que a América Latina "é a região mais violenta do planeta, depois das áreas que enfrentam algum tipo de conflito armado” ou que “um a cada três homicídios que ocorrem no mundo provém da América Latina e do Caribe”, nos preocupamos, pois, sem dúvida, isto faz parte de nossas conversas diárias com a família, amigos e colegas de trabalho. Segundo o mais recente anuário brasileiro de segurança pública, foram registradas mais de 63 mil mortes violentas no Brasil em 2017, o que corresponde, em média, a 175 homicídios por dia. Sem grande distinção de país, todos nos sentimos afetados pelas experiências e relatos que denunciam o nível de insegurança e violência nas ruas – em maior ou menor medida, de forma direta ou indireta.
Assim, estamos imersos em um círculo vicioso no qual a insegurança impacta nos investimentos e na atividade econômica, o que reduz as oportunidades de crescimento e de geração de empregos, reproduzindo o ciclo de pobreza, um dos fatores da delinquência da região. O custo adicional das consequências da criminalidade impacta nossa saúde, produtividade, capacidade de investimentos (de esforço, de poupança) e em nosso nível de consumo, ao entrarmos em uma engrenagem de sobrevivência. Dentro deste cenário, também se destaca a presença do crime organizado.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em uma recente pesquisa sobre o custo da falta de segurança na América Latina, confirmou que a violência e a criminalidade custam para a América Latina e Caribe US$ 261 bilhões, montante que evidentemente é subtraído da área de Educação ou Sociais para combate à pobreza. Além disso, o próprio BID destaca que, paradoxalmente, a verba extraída do Produto Interno Bruto (PIB) para cobrir gastos em segurança é maior, em comparação com outros países desenvolvidos, com taxas mais baixas de criminalidade. Enquanto os Estados Unidos investem 2,75%, França 1,87% e Alemanha 1,34% no combate à insegurança, no Brasil o custo da violência corresponde a 5,9%, e a região latino-americana destina até 3,55% de seu PIB para este fim.
O objetivo consiste em evoluir de um paradigma reativo a um modelo proativo, com informação convertida em inteligência
Contemplando este panorama, é desafiador introduzir na região o conceito de “cidades inteligentes” (ou smart cities, em inglês) com características de sustentabilidade e serviços que aumentam a qualidade de vida, adicionando sistemas convergentes baseados em tecnologias da informação e comunicação (TICs) para assegurar a ordem. Como se transformar em uma cidade inteligente, quando a população ainda está atemorizada com questões básicas como alta taxa de violência?
Órgãos como o Banco Mundial e o Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime afirmam que o grande índice de criminalidade e insegurança na América Latina estão afetando o crescimento econômico e ameaçando o bem-estar humano e, consequentemente, impedindo o desenvolvimento social e humano. Nesse sentido, qual é a resposta para transformar nossas cidades em lugares melhores e mais seguros?
A conclusão inevitável é que a primeira abordagem para uma cidade inteligente ou para aquela que pretende ser, deveria estar voltada para a inteligência a serviço da segurança de seus cidadãos. A tecnologia também tem um papel fundamental nesse capítulo da história, principalmente quando falamos de inteligência artificial e machine learning. A automatização que as novas tecnologias proporcionam podem otimizar e transformar o trabalho dos agentes da segurança pública e privada, por meio de soluções capazes de identificar situações críticas, cruzar dados e permitir que medidas estratégicas sejam tomadas de forma mais precisa, em menos tempo.
O papel da segurança pública tem evoluído diante de constantes mudanças: a dinâmica do funcionamento das cidades passou a ser mais complexa, a informação é imediata, as fronteiras são mais permeáveis, o crime organizado e o narcotráfico possuem um nível maior de sofisticação.
Os cidadãos esperam dos governos municipais uma participação maior ou corresponsabilidade na questão da segurança pública. Vejo na região um sensível avanço à medida que os gestores públicos estão atuando de forma mais integrada, promovendo coordenação e colaboração estratégicas com as forças de segurança próprias ou de âmbitos territoriais superiores em nível federal, estadual ou municipal. Vejo também fortalecimento institucional por meio da melhora da qualidade dos serviços públicos e uso de plataformas tecnológicas de atendimento a emergências. Outro ponto de destaque é o uso de tecnologias de análise da informação e de comunicação integrada para o combate ao crime. Ainda, vejo inciativas de implementação de mecanismos de comunicação que promovam a participação cidadãos como algo bastante positivo nesse processo de melhoria.
Lucía Dammert, analista e investigadora internacional em assuntos de segurança, no ano passado realizou um estudo no qual analisou a situação de múltiplas instituições de segurança pública da região latino-americana e comprovou que aquelas que desenvolveram um processo de adesão de tecnologia, cujas estratégias de trabalho policial estavam baseadas em evidências, foram as que puderam, efetivamente, prevenir e controlar a criminalidade com resultados concretos. Além disso, foi levado em consideração efetiva formação policial, considerando a idade apropriada e a facilidade para se adaptar ao desenvolvimento tecnológico. Outro ponto de destaque do estudo foi o poder de investimento em sistemas de informação que, ao serem cruzados, permitam determinar com precisão os crimes, a fim de definir a ação mais adequada e, por último, a pesquisadora reconhece que as TICs são as melhores aliadas para melhorar a gestão da segurança e aumentar a responsabilidade das forças da ordem. Pois, soluções tecnológicas inteligentes são capazes de ajudar na tomada de decisão em tempo real em meio a uma emergência e conseguem até prevenir situações que ameacem à segurança.
Em resumo, o objetivo consiste em evoluir de um paradigma reativo a um modelo proativo, com informação convertida em inteligência, por meio de integração de sistemas e tecnologia.
Um fator determinante para o sucesso dos governos e das administrações locais que buscam transformar suas cidades em inteligentes, prósperas e economicamente bem-sucedidas, é o investimento em inteligência e no poder das TICs, colocadas a serviço da segurança da população.
Ivan Kraljevic, especialista em Cidades Seguras da Motorola Solutions.
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