Um consórcio internacional constituído por 12 instituições públicas e privadas acaba de anunciar a conclusão do sequenciamento e montagem do genoma do fungo causador da devastadora ferrugem-asiática-da-soja, doença responsável por prejuízos que excedem R$ 10 bilhões a cada ano, somente no Brasil. Entre causadores de doenças em vegetais, este fungo possui um dos maiores e mais complexos genomas, e esse avanço traz grande esperança para o seu efetivo controle. Além da Embrapa e da Universidade Federal de Viçosa, participaram do consórcio instituições dos Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha, o que demonstra a importância de uma ciência internacionalizada para enfrentarmos problemas complexos.
Ao se unirem para sequenciar e disponibilizar dados sobre o genoma desse fungo, os membros do consórcio abrem caminho para que dezenas ou centenas de outras instituições, ao redor do globo, se debrucem sobre essas informações, desenvolvendo soluções para controle da doença. Esse é apenas um caso que ilustra avanços na forma como o conhecimento científico é produzido, acessado e utilizado. Novas e diversificadas formas de intercâmbio e cooperação entre cientistas estão surgindo em múltiplos campos do conhecimento, ampliando sinergia entre disciplinas e capacidade de lidar com desafios, muitos até então considerados intratáveis.
O Brasil poderá contar com uma rede de relacionamentos e de formação de estudantes em centros avançados ao redor do globo
O fato é que cooperação científica para busca de complementaridade de recursos e talentos se tornou essencial diante da velocidade com que desafios complexos têm surgido. Países em que ciência e cientistas estão conectados com o mundo ganham mais capacidade de superar tais desafios e se beneficiam mais rapidamente do universo de oportunidades que emerge dos centros mais avançados de geração de conhecimentos e inovações tecnológicas. Por sua vez, países com problemas de isolamento, perda de talentos e desconexão com as redes de conhecimento terão poucas chances de conquistar posições assertivas no mundo da inovação tecnológica, o que limita seu progresso econômico e social.
Por ter construído um robusto sistema de ensino, pesquisa e pós-graduação, o Brasil dispõe de massa crítica para avançar muito na internacionalização da sua ciência. Para isso, o país precisa encontrar formas criativas de superar a distância geográfica dos grandes centros de geração de conhecimento, na América do Norte, Europa e Ásia, além de remover barreiras culturais e linguísticas que dificultam a inserção internacional dos nossos cientistas e limitam a atratividade das nossas instituições para cientistas de outras partes do mundo. Em vez de lamentarmos a perda de cérebros provocada por recorrentes crises econômicas e escassez de recursos, poderíamos buscar formas de mobilizar e motivar cientistas brasileiros radicados pelo mundo a se integrarem ao nosso sistema de inovação e à nossa agenda de desenvolvimento.
Muitos países já superaram há tempos o trauma da fuga de talentos, encarando a presença de seus cientistas radicados em centros avançados não como uma perda, mas como uma oportunidade para treinamento e capacitação de novos profissionais, formação de redes de colaboração e monitoramento de inovações que possam beneficiar seu desenvolvimento. Se tal visão for incorporada e bem gerida, o Brasil poderá contar com uma rede de relacionamentos e de formação de estudantes em centros avançados ao redor do globo. Sendo ainda mais ousados, poderíamos criar condições para que mais cientistas brasileiros pudessem galgar posições de destaque em centros avançados de inovação, motivados a ajudar o país a se manter conectado à fronteira do conhecimento. Os recentes e surpreendentes avanços da ciência em países como China e Índia são em grande medida baseados nessa estratégia. No caso chinês, a possibilidade de atrair de volta uma legião de profissionais de alto nível permitiu que eles criassem uma base científica robusta, articulada com redes de conhecimento em todo o mundo e conectada ao seu projeto de desenvolvimento.
- Tecnologia no agronegócio: riscos e oportunidades (artigo de Cristiano Kruk, publicado em 20 de maio de 2019)
- Educação, pesquisa e desenvolvimento: andando na contramão (artigo de Ricardo Rocha de Oliveira, publicado em 10 de setembro de 2019)
- Iniciativa privada, a saída para melhorar a educação no Brasil e no mundo (artigo de Felipe Leonard, publicado em 12 de julho de 2019)
É imperativo que, no Brasil, mecanismos capazes de criar e fortalecer tais redes de relacionamentos sejam priorizados. Programas de internacionalização da Fapesp são casos exemplares de sucesso na intensificação de pesquisas colaborativas a partir de acordos com agências de fomento, institutos e universidades, além de programas para atração de professores visitantes e jovens pesquisadores. Tais ações poderiam ser intensificadas e replicadas em outras fundações estaduais de apoio à pesquisa, incorporando formas de mobilizar e motivar cientistas brasileiros radicados em outros países a se engajarem numa agenda de internacionalização da ciência brasileira.
Outro exemplo a ser seguido é o Programa de Laboratórios Virtuais da Embrapa no Exterior (Labex), que completou, em 2018, duas décadas de atividades ininterruptas. Pesquisadores seniores se inserem e colaboram em projetos de pesquisa de alto nível em instituições parceiras no exterior, além de dedicarem parte do seu tempo a atividades de antenagem tecnológica e articulação da participação da Embrapa em redes de pesquisa internacionais. Esse modelo, já testado e validado pela pesquisa agropecuária brasileira, poderia ser disseminado para ampliar a inserção de outras áreas estratégicas da ciência brasileira nos centros mais avançados de geração de conhecimento e inovações tecnológicas.
Maurício Antônio Lopes é pesquisador da Embrapa