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Ciência e inovação precisam caminhar juntas no enfrentamento de pandemias

coronavírus vacina
Cientista israelense trabalha em um laboratório no Instituto de Pesquisa MIGAL em Kiryat Shmona,, onde estão em andamento esforços para produzir uma vacina contra o coronavírus COVID-19 (Foto: JALAA MAREY/AFP)

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Nossos gestores estão diante de uma escolha de Sofia, que também não deixa de ser um questão ética: ou flexibilizam a contenção do vírus pela estratégia de individualização dos casos positivos, e com isso minimizam as perdas econômicas, que serão severas e perdurarão por longo período; ou realizam o distanciamento social para controle geral de exposição de toda a população, sem olhar questões econômicas, diminuindo ao máximo possível as mortes. O bom senso diz que deveríamos priorizar o menor número de mortos com o menor impacto econômico possível, mas essa já não é mais uma opção.

Nossa limitação ocorre, em grande parte, por não sermos autossuficientes em insumos de interesse da saúde, tais como os kits de diagnóstico e reagentes de apoio diversos (isso sem mencionar outras áreas como edição genética).  A maioria destes insumos é importada e, no caso de uma nova doença global, cada país produz os seus kits para, primeiramente, promover o abastecimento interno. As exportações, obviamente, ocorrerão se possível ou apenas após a pandemia chegar ao fim. Neste cenário, poderemos pagar alto preço por não ter desenvolvido nossos próprios insumos no momento adequado.

Os países que conseguiram controlar rapidamente a pandemia testaram em massa seus habitantes como base de apoio para agir estrategicamente frente à disseminação do Covid-19. No nosso país, por outro lado, lutamos contra um inimigo às cegas, pois a maioria das pessoas infectadas é assintomática e está transmitindo ativamente o vírus. Diagnosticar os casos graves – como está sendo feito – é o equivalente a enxugar gelo, mas é a situação real (e não ideal). Caso houvesse uma medida para identificar todos os infectados sintomáticos e assintomáticos no menor tempo possível, poder-se-ia conter ou reduzir com maior eficiência o processo de expansão desse agente infeccioso.

Se tivéssemos capacidade de trabalhar de forma estratégica, isto é, isolando os indivíduos realmente infectados, conseguiríamos taxas equivalentes às da Alemanha e da Coreia do Sul. Assim, estando às cegas e não tendo maneiras de saber quem são os infectados de fato, somos obrigados a tomar a única medida possível: fechar todo mundo em casa, mantendo distanciamento social e higienização como nossa última defesa.

Grande parte de nossas deficiências se deve à pouca integração entre as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, fundamentais para a competitividade das organizações, e que também são conhecidas como os principais fatores de crescimento econômico e dos níveis de bem-estar. Esse dilema tem evoluído muito lentamente e faz com que, tentativa após tentativa pela interação público-privado, não tenhamos saído do lugar em direção a tornarmo-nos um país competitivo em temas relacionados à inovação em saúde. O ideal seria que as pesquisas realizadas no Brasil, além da publicação científica de impacto, consigam entregar às pessoas o produto final e poder assim desenvolver, transferir e produzir tecnologias nacionais em saúde.

Para isso seria necessário passar o bastão para a inciativa privada; dessa forma a cadeia se efetivaria, uma vez que o Estado tende a focar nas primeiras etapas mais básicas e a iniciativa privada, a adequar as inovações ao mercado. Tendo esta cadeia desenvolvida e amadurecida, processos como novos testes de diagnósticos como os de que necessitamos para auxílio no controle da Covid-19 seriam prontamente adaptados à nova demanda e passiveis de produção nacional em escala para atender significativamente parte da população.

Ainda não conseguimos fazer o fluxo em direção à inovação e ao empreendedorismo funcionar eficientemente como ocorre em países desenvolvidos, e infelizmente estamos longe de chegar ao padrão deles. Esse fluxo começa com a descoberta de um princípio ativo por um cientista; a partir daí, tem-se uma longa e burocrática jornada até que o remédio chegue pronto à prateleira de uma farmácia. Raros são os casos de sucesso de medicamentos tupiniquins. Enquanto a iniciativa pública e a iniciativa privada não se entenderem e trabalharem juntas, não avançaremos como um país autossuficiente em insumos de saúde. Ciência e inovação precisam caminhar juntas.

Carlos Roberto Prudencio, graduado em Medicina Veterinária, mestre e doutor em Genética com pós-doutorado em Biotecnologia pela Universidad de Castilla-La Mancha e pela USP, é pesquisador científico pelo Instituto Adolfo Lutz de São Paulo e coordena pesquisas na área de biotecnologia aplicada no controle de agentes emergentes e re-emergentes.

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