Em um dos seus recentes números, The Economist, revista inglesa editada há mais de 160 anos, faz em um dos artigos uma apreciação sobre o desenvolvimento mundial dos últimos tempos e conclui que todos os continentes progrediram uns países mais do que outros e que só a África regrediu. As razões desse fato seriam as intermináveis guerras travadas desde os tempos que os vencedores entregavam os vencidos aos traficantes de carne humana , as doenças, modernamente representada pela aids, e haverem as atuais elites africanas, em sua maioria, instituído o que o articulista chama de "cleptocracia". Ao ler o neologismo, ocorreu-me que nada melhor qualificaria o regime que Lula, o PT e seus aliados instituíram no Brasil, acobertados pelo que chamam de democracia. Entre os mais surpreendentes "contorcionismos ideológicos", em que se esmerou o candidato Lula para chegar ao Palácio do Planalto, esteve o aval dado à honestidade do sr. Orestes Quércia, hoje inventor da candidatura Itamar. Essa associação espúria e estranha reforçava a convicção de que a alardeada pureza do Partido dos Trabalhadores era uma empulhação que inúmeros episódios muitos deles recentes têm desmentido, apesar dos esforços e manobras de seus dirigentes para negá-los cinicamente, encobri-los ou abafá-los usando "bodes expiatórios", numa evidência de que sempre houve algo de podre entre os que de há muito se colocaram como julgadores ferozes da honra alheia. A facilidade com que foi aceito o apoio do senador José Sarney e de sua filha Roseana, depois do escândalo do dinheiro encontrado no escritório da empresa do marido da governadora e que resultou no malogro da sua candidatura, foi outro episódio que pôs em dúvida a proclamada ética na política do PT. O passar do tempo vem nos mostrando que, no atual governo, esses fatos vêm se repetindo de forma alarmante, chegando-se, inclusive, a pensar em uma forma de silenciar a imprensa e desmoralizar as CPIs.
O que causa espanto é que na campanha de 2002 escândalos conhecidos não tenham sido lembrados, certamente pelo maciço apoio que grande parte da mídia deu ao candidato petista e pelo fato de que todos os candidatos eram "vinhos da mesma pipa" esquerdista. Nas vésperas das eleições, os quatro candidatos mais visíveis emulavam-se em um concurso de indefinições, contorcionismos ideológicos e "idiotices" populistas. Isto ficou claro nas duas horas de debate dos presidenciáveis, em que a tevê registrou recordes de audiência, com a finalidade de esclarecer os indecisos. Só que o debate virou uma encenação entre políticos que tinham a mesma raiz ideológica e puderam concordar na maioria dos pontos abordados. Não obstante, serviu para pôr a nu algumas nuances que talvez tenham fugido ao telespectador desavisado e desinformado, mas que devem ficar como registro desse episódio que certamente se repetirá na próxima campanha presidencial, principalmente se os opositores de Lula concordarem em transformar a campanha em um "jogo de comadres". Ficou evidente a preocupação de Lula em preservar sua larga margem nas pesquisas e assim não se comprometer com respostas que não estivessem em seu ensaiado "script", fornecido por seu esperto marqueteiro. Quando confrontado com algo fora do ensaiado, tropeçou na explicação sobre a Cide, uma sigla que desconhecia. Fugiu de perguntas, tais como: que modificações da CLT admitiria ou sobre a indagação importante que lhe fez o mediador quanto a quem deve ser considerado negro no Brasil, ao se cogitar das tais quotas no emprego e na universidade. Demonstrou ignorar como os demais candidatos a origem da falta de recursos para construir e conservar as rodovias que obrigou à solução do pedágio e para construir usinas de energia elétrica, embora ali estivesse presente o então deputado constituinte José Serra, um dos responsáveis pela minirreforma tributária embutida na Constituição de 88 para beneficiar São Paulo e que subtraiu esses recursos à União.
Curiosamente, os debates sobre assuntos do Nordeste excluíram o candidato Ciro Gomes, que, supostamente, teria as melhores condições para explorá-los e respondê-los. Pouco depois, o silencioso Ciro seria um dos ministros do gigantesco ministério Lula. Com a visível intenção de ganhar os votos nordestinos, ninguém nem José Serra, candidato oficial se lembrou de dizer que a Sudam e a Sudene foram extintas por causa da corrupção que nelas, comprovadamente, lavrava. Fizeram demagogia pura sobre um órgão a Sudene que só serviu para beneficiar as oligarquias nordestinas e muito pouco teve a mostrar em mais de 40 anos de existência.
Ao falar de reforma agrária, ninguém perguntou ao Lula sobre o apoio incondicional do PT ao MST e, conseqüentemente, às invasões de propriedades, produtivas ou não, que, no período eleitoral, cessaram por completo para não prejudicar o candidato do partido. Como não foi lembrada a corrupção deslavada e comprovada nas administrações petistas, sendo apenas levemente aflorada a questão das tarifas de ônibus de São Paulo. Em suma, um elegante debate como queriam alguns entre "camaradas" que não teriam nenhuma dificuldade em comporem-se com o novo e enfatiotado Lula, num quadro eleitoral em que os partidos que então detinham as maiores bancadas na Câmara de Deputados o PFL e o PMDB não tinham candidatos à Presidência, embora, segundo as projeções pré-eleitorais, devessem fazer o maior número de deputados. A "pizzaria" da Câmara de Deputados ao que parece ignorada pelos 40% que ainda dizem que vão votar em Lula explica porque se pode afirmar, sem a menor dúvida, que o atual presidente e o PT consolidaram no Brasil uma autêntica "cleptocracia". Há dias, em sua coluna a jornalista Dora Kramer que parece nunca ter lido o que há mais de dez anos vem dizendo o ex-petista Paulo de Tarso Wenceslau ainda tinha dúvidas se o fingido alheamento do presidente às patifarias que rondam à sua volta seria fruto da capacidade de Lula de se deixar enganar de maneira quase infantil ou seria conseqüência de uma enorme habilidade para enganar os outros. E aí voltamos a achar que a eleição do presidente será a salvação da pátria, esquecidos de que tão importante quanto essa escolha será a escolha de nossos representantes no Congresso, tarefa que, desgraçadamente os fatos têm mostrado, vem sendo cumprida de forma lamentável, com as urnas levando para a Câmara de Deputados e para o Senado homens sem a necessária qualificação moral para tais funções.