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Dez anos atrás, a recém-inaugurada TV da Universidade Federal do Paraná estava organizando sua programação e Ney Hamilton Michaud, jovem, mas veterano homem de tevê e de jornalismo, se propôs a conduzir um programa de debates cujo nome já dizia tudo: Cobras & Lagartos, um programa sem papas na língua. Os debatedores seríamos o médico Mario Negrão, o cineasta Hugo Mengarelli e eu. Nada poderia ser mais heterogêneo.

Os recursos materiais eram ínfimos: o programa era gravado em um estúdio comercial com o acompanhamento frequente de latidos de um cachorrão do vizinho; o âncora e nós três sentávamos em cadeiras de escritório e, quanto a cuidados de imagem como maquiagem, nem pensar. Apesar de insistentes pedidos, nunca conseguíamos saber exatamente a que horas e em que dias o programa iria ser exibido, um mistério que o tempo desvendou em boa parte, embora ele insista em reaparecer vez por outra.

Pois é, ano após ano, o Cobras & Lagartos foi apontado nas pesquisas como um dos programas mais vistos da tevê universitária, o que não diz muito, dada a baixa audiência da emissora; no entanto, em pesquisas de mercado realizadas por empresas especializadas para identificar as preferências daquela parcela do público que forma opinião, o Cobras & Lagartos aparece como um dos programas de escolha desse segmento rarefeito, mas influente.

No mês de outubro, o programa completou dez anos no ar, um recorde de permanência. Nós quatro somos frequentemente abordados na rua por pessoas que dizem ver o programa e que sugerem temas, fazem críticas e elogios e... suprema glória, até alguns autógrafos já tivemos de dar.

Qual é a explicação para a longevidade? Não sabemos ao certo, mas acreditamos na escolha dos temas, na irreverência e na iconoclastia ao abordar fatos e personagens; e na linguagem coloquial. Outro dia, descobrimos que a tevê coloca um alerta no início do programa, classificando-nos como não recomendável para menores de 12 anos, por causa de "sugestões sexuais, temas violentos e da linguagem utilizada". Incrível: três personagens da terceira idade, reis da caretice, "acusados" de promover a deturpação dos costumes.

Mas quase não resistimos ao primeiro mês de gravações. Ney Hamilton nos informava previamente qual seria o tema dos programas e nós três, como bons professores universitários, nos preparávamos. O debate era, então, uma sucessão de citações eruditas ou pseudoeruditas, uma enxurrada de Max Weber, Durkheim, Habermas, Adorno e Karl Marx, o que fazia o programa ficar extremamente chato como uma aula de faculdade. Então, Ney teve uma ideia salvadora: a partir de então, os temas não seriam revelados previamente a nós três, mas comunicados no ar, no início do programa, que passou a ser uma mistura de opiniões qualificadas, opiniões e palpites de que o público aparentemente gostou.

Qual é o prazer especial que o programa nos propicia? Verificar que o público que o vê responde com entusiasmo a esse tipo de debate, raríssimo na tevê comercial. E que nós quatro podemos expressar, no espaço livre de qualquer censura ou conveniência comercial que a tevê da UFPR nos dá, os anseios, indignações e inconformidades dos que nos veem. Tal como no filme Rede de Intrigas, nós tentamos ser aqueles personagens que gritavam na janela: "Eu estou p... da vida e não vou tolerar mais isso!"

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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