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 | Ivonaldo Alexandre/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Ivonaldo Alexandre/Arquivo Gazeta do Povo

Nada é simples ou trivial quando se fala de um país-continente como o Brasil. Quinta maior nação do mundo, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados; seu território cobre 1,6% de toda a superfície do planeta e 5,6% de suas terras, além de 48% da América do Sul. Fazendo fronteira com nada menos que dez países sul-americanos, a nossa vasta superfície de terra contínua é, ainda, agraciada por grande oferta de água doce – equivalente a cerca de 12% das reservas globais –, além de abundante energia solar e predominância de relevos planos ou elevações suaves. Os seis biomas brasileiros são reserva da maior biodiversidade do planeta, uma riqueza biológica moldada por ampla gama de condições físicas e clima que varia desde o temperado até o tropical.

Grande número de países não consegue tratar sua riqueza natural da mesma forma que o Brasil, incluindo muitos que há séculos são agraciados com condições econômicas e sociais superiores às nossas. Basta àqueles que sobrevoam ricas nações dos continentes americano, europeu e asiático dar uma olhada pela janela da aeronave e, com o senso crítico aguçado, refletir sobre o que veem, em comparação com as paisagens que predominam no Brasil. Visitantes estrangeiros ficam surpresos ao saber que por aqui é mandatória a conservação de florestas nas propriedades privadas, em porcentuais que podem alcançar até 80% da área, como na Amazônia Legal. E, atônitos, perguntam: quem paga a conta?

É notória a ampliação do engajamento da ciência no debate ambiental brasileiro

O Brasil está pagando a conta e fazendo o dever de casa. Por vontade própria, sem imposições, este é o mais significativo investimento do país na construção de um futuro sustentável. O novo Código Florestal Brasileiro, estabelecido com a sanção da Lei 12.651/2012, representa um dos casos mais extraordinários de construção de diálogo e consenso para busca de algo inédito: a proteção das florestas e da vegetação nativa nas propriedades rurais privadas de uma das maiores potências agrícolas do planeta. Ousadia capaz de mobilizar, até o momento, mais de 4 milhões de produtores rurais a registrar, até o momento, seus imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma base semelhante à declaração de Imposto de Renda que os brasileiros fazem anualmente.

O CAR é uma iniciativa inédita no mundo. Resulta da máxima bastante conhecida segundo a qual sem informação qualificada não se gerencia nada. E, como tal, se oferece como um grande eixo de construção de consenso entre ambientalistas, produtores rurais, pesquisadores, gestores ambientais, legisladores e juristas. O CAR é um excelente instrumento para a busca de conhecimento substanciado sobre a realidade ambiental brasileira e, ademais, pilar para a modelagem da agropecuária que interessa ao Brasil construir. É ferramenta essencial para a formulação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) nos estados, para que os produtores recomponham, protejam e compensem áreas para preservação da vegetação nativa e da biodiversidade nas suas propriedades. Tudo isso é realizado sob princípios modernos e sólidos, com registros em mapas delimitados sobre imagens reais de satélite, acrescidos de informações prestadas pelos produtores, permitindo, pela primeira vez, uma gestão contemporânea e dinâmica da realidade ambiental das propriedades rurais brasileiras. Como política pública que, prudentemente, precisa evoluir, a lei prevê a revisão e a melhoria contínua do Código.

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São inúmeros os benefícios atuais e potenciais do Código Florestal Brasileiro, com destaque para a transparência no tratamento das questões ambientais ligadas à agricultura, atestada pela publicação recente dos dados do CAR, o que possibilita análises imediatas e inéditas, incluindo identificação de passivos e limitações que poderão ser rapidamente superados. Há também movimentação nas cadeias produtivas, que exigem de seus fornecedores a incorporação de boas práticas de produção e a definição de métricas que assegurem a regularização ambiental dos sistemas produtivos.

É notória a ampliação do engajamento da ciência no debate ambiental brasileiro – claramente verificada por inúmeras redes de pesquisa atuando nas mais variadas dimensões da relação entre agricultura e meio ambiente. A Embrapa oferece, em seu portal, um dos mais completos acervos de informações tecnológicas para apoiar gestores públicos, técnicos e produtores no esforço de implementação do Código Florestal. A empresa também realiza um grande esforço de análise dos dados do CAR, de forma que possam ser consultados e cruzados com outras geoinformações a partir de recortes por biomas, regiões, estados e municípios, mostrando ao Brasil e ao mundo como a nossa agricultura contribui para a preservação e a conservação da vegetação nativa e das águas.

Em contraponto a qualquer imprecisão que não tenha sido solucionada pelo processo inédito e democrático de construção e aprovação do Código Florestal, é preciso considerar que sua implantação, seguindo uma visão evolutiva e pragmática, permitirá ganhos de experiência para graduais ajustes e superação de passivos no futuro. A coragem de seguir adiante, sem rupturas no seu processo de implantação e consolidação, que já dura mais de cinco anos, permitirá ao Brasil incorporar uma marca positiva e diferenciada à sua imagem. Assim como as empresas buscam o fortalecimento das suas marcas, as nações têm investido em marcas e imagem para moldar visões globais sobre seus setores mais estratégicos. Demonstrar coragem e capacidade de consolidar política pública tão arrojada é um importante avanço para solidificar uma marca de sustentabilidade e uma imagem fortalecida do Brasil para os brasileiros e para o mundo.

Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa.
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