O adolescente dito "de hoje" é, de fato, (bem) diferente do passado. Digo isso não por uma percepção e adesão ao coro de uma maioria espectadora dos que educam, mas de quem ocupa – e exerce – a função de formar um adulto saudável nos dias “de hoje”. Longe da parca visão sobre o adolescente “de hoje”, convido críticos minimamente comprometidos com a justiça a, antes de falar sobre o que não vivem, se instruírem sobre o que desconhecem e saírem dos “achismos”. Sem isso, além de não ajudarem, atrapalham, porque desvirtuam a realidade por um olhar equivocado.
Tão distinto quanto o perfil de nossos adolescentes sarcasticamente chamados “de hoje” é também o cenário atual no qual vivemos. O mundo também mudou significativamente, o que não só sabemos como constatamos todos de fato.
Gostando ou não, já lidamos com ou vivemos as pequenas e grandes mudanças, tudo junto, misturado e ao mesmo tempo, imputando na tecnologia a responsabilidade pela grande “virada” desta era razão pela qual recebeu – e continua recebendo - grande parte das críticas dos particularmente incomodados, dos resistentes desajustados ou simplesmente contrários ao novo contexto.
A imposição de uma prática passada comprovadamente ineficaz para as situações vividas com o adolescente “de hoje” nos prova a necessidade de uma disposição de aprender a nova realidade.
Enquanto isso, nós pais – ou não – vamos nos virando para lidar, viver e formar sob as novas condições impostas e forçosamente assumidas. Nessa intensa, angustiante, trabalhosa e, muitas vezes, sofrida dinâmica, os pais “de hoje”, subitamente despreparados, vão sobrevivendo como conseguem.
“O bicho pegou”, diriam os mais antigos e também os atuais pais de adolescente. Um tanto perdidos e preocupados buscamos, tateando aqui e ali, um meio de (con)viver com o pouco que nos restou de útil na era atual. A cartilha do passado já não é o bastante. O caminho é outro; precisa ser desbravado. Tudo mudou e nós, pais de adolescente, perdidos, angustiados e reduzidos a ignorantes, somos forçados a trilhar o desconhecido com recursos inapropriados às exigências do hoje transformado. Por conta disso, erramos mais do que o esperado e, por medo – ou desânimo –, por vezes em não (queremos) mudar para, pelo menos, nos preservar das frustrações. Como que crianças, tememos o novo como bicho papão pronto a nos devorar.
Enquanto o mundo se apresenta totalmente transformado, o filho cresce ambientado nesse meio assustador. Tentando dar conta de ser mãe de dois adolescentes “de hoje” admito: mais assistia estupefata aos acontecimentos do que participava da nova realidade. Aos trancos e barrancos, mais lidava com as situações vividas com meus adolescentes lutando para manter o status quo de um cenário mudado do que buscava meios de trilhar o novo caminho de crescimento junto com eles no mundo de hoje.
Como pais de adolescente, hoje precisamos nos (re)capacitar para superar os novos desafios da fase nesse mundo tão distinto de tudo um dia experimentado.
Costumávamos viver – e até relevávamos – as diferenças entre pais e filhos como natural conflito de gerações. Hoje brigamos, reclamamos, criticamos as diferenças sem notar as razões inegavelmente mais profundas, complexas e nada comuns por trás delas. Surpreendidos com a mão na massa na sempre desafiadora fase da adolescência de filho, vamos trocando o pneu com o carro andando. Não bastassem as hostis circunstâncias instauradas, somos também criticados por má performance e baixos resultados da missão de educar outro ser.
Amparei-me no passado como tábua de salvação para dar conta dos novos e inexplorados caminhos do cotidiano. Como muitos, lutei e resisti contra a realidade e, por muito tempo, viver com filho adolescente “de hoje” foi difícil além da conta. Quis desistir de aprender e simplesmente impor as condições conhecidas. A passos curtos, caminhei educando filho adolescente no escuro, sem qualquer vestígio de prévia experiência. Encarar a adolescência “de hoje” é para os comprometidos com a missão repaginada pela atualidade. Portanto, sábios antecessores, pretensos donos de uma verdade particularmente duvidosa de um tempo pretensamente perfeito: nosso hoje não cabe na cartilha do passado.
Substancial e totalmente imprevisível, é diferente de tudo já vivido em todos os campos, o que nos devolve à condição de pais de novo “aprendedores”. O conflito de gerações seria tirado de letra não fossem as novas circunstâncias do inusitado hoje. Criticar-nos por (infelizmente) tatearmos sobre o desconhecido e inóspito terreno é, senão preguiçoso, injusto. Ajudariam mais se contribuíssem com mais apoio do que críticas, com mais sugestões viáveis do que apegadas ao passado inexistente, na busca de novos meios de conviver – em vez de lidar – com filho adolescente. Antes de qualquer outro, nós, pais de adolescente, somos os maiores responsáveis e dedicados a entregar bons frutos ao mundo, apesar das condições.
A imposição de uma prática passada comprovadamente ineficaz para as situações vividas com o adolescente “de hoje” nos prova a necessidade de uma disposição de aprender a nova realidade. Dispor-se a uma humilde atualização cooperativa para juntos montarmos esse quebra-cabeça imposto a todos ajudaria mais nessa caminhada por vezes dispensavelmente sofrida. Também o trabalho, as profissões, a educação e, por tabela, as relações mudaram extraordinariamente, mas a missão dos pais, sabemos, permanece igual: formar adultos saudáveis, quiçá melhores para este mundo... de hoje.
Práticas do passado nem sempre nos ajuda ou leva a cumpri-la; não neste cenário. Portanto, faz-se necessário descobrir e aprender crescendo junto com filho adolescente, realidade decerto bem diferente da até então vivida e até inadmissível pelas gerações anteriores. O terreno hoje é hostil às antigas práticas. A intensa profusão de informações, a demasiada inversão de valores, o exacerbado individualismo e a ávida necessidade de respostas simplistas e imediatas para tudo são alguns dos inúmeros desafios da célere modernidade.
À primeira vista assustadora e incompreensível, depois inaceitável e inapreensível para muitos é, antes e sem dúvida, irrevogavelmente exigente para os pais de adolescente “de hoje”. A nós, não nos resta escapatória: precisamos ser e fazer diferente. Como pais de adolescente, hoje precisamos nos (re)capacitar para superar os novos desafios da fase nesse mundo tão distinto de tudo um dia experimentado. Precisamos aprender a formar o novo adulto que se revela surpreendente hoje não só aos antigos, mas também a nós, os pais também “de hoje”, aprendedores comprometidos e conscientes de que o hoje está sendo escrito por uma geração de pais e filhos transformados.
Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!.
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