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Combatendo a pobreza de maneira eficiente

Governo quer reduzir porcentagem de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza até 2031. (Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo/Arquivo)

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Erradicar a pobreza, ou pelo menos reduzi-la efetivamente, é uma das questões mais antigas e debatidas no campo da economia. Várias soluções já foram apresentadas e, no entanto, o problema persiste em muitos lugares. A especificidade de cada região do globo torna ainda mais difícil o combate à pobreza. As medidas que se mostraram mais eficientes percorrem o caminho da liberdade econômica e do desenvolvimento do capital humano.

Durante o Poverty Cure Summit, pude ouvir várias pessoas genuinamente preocupadas com a pobreza global e suas consequências para os indivíduos. No painel “Privatização, empreendimento e o caminho para a prosperidade”, assisti aos discursos de Salim Mattar, pelos quais tenho grande admiração. Ele expandiu as ideias liberais no Brasil de uma forma muito honrosa e didática. Sua apresentação deixou claro que gerar riqueza combate a pobreza. Somente por meio do mercado livre, da expansão da iniciativa privada, da valorização dos indivíduos e da redução das funções do Estado pode-se alcançar a prosperidade.

A pobreza e o desemprego são problemas que dificultam a liberdade econômica. Quanto mais pobreza houver, menos atividade haverá no mercado livre e, consequentemente, menor será o crescimento econômico. A economia de mercado não é um jogo de soma zero em que, para um indivíduo enriquecer, o outro precisa ser empobrecido. No entanto, esse jogo de soma zero pode ocorrer quando o governo entrega dinheiro público a pequenos grupos de interesse, em vez de usá-lo para fins legítimos, como saúde ou educação. Esses grupos influenciam os políticos a aprovar leis que dificultam a entrada de pequenas empresas no mercado.

As barreiras de mercado são criadas por altos níveis de burocracia, impostos, ou mesmo pelo incentivo a investimentos diretos e subsídios ao seu setor da economia. Um exemplo disso no Brasil foi uma política pública que alocou grandes quantias de dinheiro público para escolher algumas empresas como “campeãs nacionais”. A eficácia desse programa é amplamente debatida, pois algumas empresas pediram falência e outras foram investigadas por crimes de corrupção. Esses grupos são mais fortes em lugares onde o Estado é grande, onde o poder é muito centralizado e onde os políticos querem controlar o funcionamento da economia.

As pessoas, em uma economia, não devem ser tratadas como meros números ou simples peças de trabalho. As tentativas de planejar centralmente uma economia, com alguns funcionários do governo determinando o que deve ser produzido ou consumido, suprimem a essência humana e as diferenças naturais entre as pessoas. Cada ser humano tem preferências, sonhos e objetivos individuais únicos que não devem ser eliminados se respeitarmos e defendermos as questões básicas da liberdade individual. É importante lembrar que o ser humano é o principal recurso de uma economia; por isso, é necessário que todos os indivíduos estejam inseridos neste ambiente econômico e que ninguém seja deixado para trás. Joseph Sunde disse que, quando cada indivíduo é protegido, defendido, e suas liberdades básicas são garantidas, abrimos as portas para novos níveis e formas de relacionamento, colaboração, serviço, inovação e amor. Os economistas devem desenvolver suas ideias e projetos com esse foco nos indivíduos; caso contrário, todo o sentido da profissão se perderá.

Combater a pobreza é como lidar com uma doença crônica, e usar medidas paliativas não resolverá o problema. Como Milton Friedman explicou, um dos grandes erros é julgar as políticas e programas por suas intenções, e não por seus resultados. A pobreza precisa ser enfrentada com foco no longo prazo. É necessário desenvolver um ambiente propício à geração de riqueza individual, para que os cidadãos melhorem sua qualidade de vida. Portanto, a eficiência das políticas macroeconômicas só será sustentada quando houver uma base forte na microeconomia. Aqui, o papel fundamental do Estado é destacado: zelar pela propriedade privada, estabelecer e fazer cumprir contratos e facilitar o mercado livre. O Estado deve se abster de criar excesso de burocracia e um emaranhado de leis que impedem o empreendedorismo.

O Estado tem funções extremamente importantes e deve atuar de forma específica. O envolvimento com o empreendedorismo nunca é função do Estado. Ao contrário, a função do setor privado é gerar empregos, buscar lucro e oferecer os melhores produtos e serviços. As empresas são criadas para satisfazer alguma demanda por um produto ou serviço; o incentivo para a realização dessa operação comercial é o lucro. Portanto, a lógica do lucro não deve ser vista como algo negativo. Em vez disso, deve ser vista como o fator que move pessoas e empresas a oferecer produtos e serviços. Por meio do lucro, as empresas são incentivadas a oferecer produtos de qualidade superior ou que não existiam anteriormente. A grande maioria dos produtos e serviços importantes para o nosso dia a dia existe porque algum indivíduo ou grupo decidiu suprir uma necessidade. Eles assumiram o risco dessa operação, inovando e almejando um futuro lucro.

Para que as empresas privadas existam, elas precisam faturar valores que cubram seus custos e, em seguida, obter lucros que valham a pena para os proprietários. Como as empresas públicas não têm essa “preocupação”, elas não têm a mesma responsabilidade, pois, em caso de perdas, o custo será coberto pelo dinheiro do contribuinte. As repercussões negativas da perda não se restringem ao responsável. Empresas públicas deficientes, que são a maioria, geram uma perda de capital para os cofres públicos, independentemente de a população consumir o que elas oferecem. Essa perda deve ser entendida como uma perda para todos como uma nação. A perda devido à propriedade pública de empresas é especialmente pronunciada no Brasil. Durante a gestão de Salim Mattar como secretário de privatizações, foi identificada a presença do Estado brasileiro em 698 empresas. Na mesma gestão, participações em 84 empresas, que representavam R$ 150 bilhões para os cofres públicos, foram privatizadas ou encerradas. Mais importante que o dinheiro arrecadado foi o fim do fluxo de dinheiro público para essa função.

Portanto, quando se abre o caminho para a liberdade econômica, temos o terreno fértil para o surgimento de novas empresas privadas competitivas. Essas novas empresas resultam em novas áreas de atividade, novos empregos e novas receitas. Na ausência de empresas administradas pelo governo, a destruição criativa pode ocorrer na economia. A destruição criativa refere-se ao mecanismo de inovação constante pelo qual novos processos de produção substituem os desatualizados. Isso promove uma revolução na vida das pessoas, além de impulsionar o desenvolvimento econômico. Reforçando o ponto sobre as tecnologias, produtos e serviços que desfrutamos hoje são o resultado de uma demanda satisfeita; esse processo promove custos mais baixos e aumenta a acessibilidade das pessoas a coisas importantes. Quando os indivíduos são livres para inovar e encontrar um ambiente econômico favorável para aplicar seus projetos, tecnologias como aplicativos de mensagens emergem e permitem a comunicação entre as pessoas. Pode parecer estranho para alguns, mas serviços como o SMS (serviço de mensagens curtas) tinham um custo que limitava a conexão entre pessoas de menor renda; hoje, de certa forma, esse custo é inexistente, dando acesso e inclusão socioeconômica a indivíduos que podem se conectar uns aos outros. Alguns críticos deste processo inovador, talvez, não desejam entender que as dores de hoje são os ganhos de amanhã.

Quando o Estado administra os recursos de forma eficiente, eles podem ser alocados, por exemplo, para programas de educação. Os programas podem ser implementados por meio de parcerias com o setor privado ou programas diretos do governo. Alternativas mais eficientes para o sistema educacional atual não faltam; novos caminhos devem ser experimentados. A educação desempenha um papel fundamental no desenvolvimento humano. O economista Gary S. Becker, em seu trabalho sobre capital humano, defende essa tese do investimento em educação. Ele argumenta que o investimento na educação dos indivíduos irá desenvolver novas habilidades e melhorar as existentes. Isso melhorará a qualidade da força de trabalho, preencherá empregos que exigem qualificações mais altas, aumentará a produtividade e gerará riqueza pessoal. O resultado final de ter mais pessoas qualificadas refletirá em toda a economia e, em última análise, reduzirá a pobreza. Por fim, o maior acesso à educação promoverá a mobilidade social e possibilitará a geração de riquezas que se perpetuam para as próximas gerações.

A criação de riqueza é a forma mais eficiente de combater a pobreza devido ao ciclo positivo que emerge da liberdade econômica. Por exemplo, na fundação de um pequeno negócio, os benefícios fluem para a comunidade local, com a oferta de mais produtos e serviços, e para o proprietário, que poderá usufruir de novos itens que melhoram sua qualidade de vida. Em busca do lucro, esse pequeno negócio pode gerar empregos e renda local. Pequenos negócios, novos negócios e empresas estabelecidas precisarão cada vez mais de profissionais qualificados. É por isso que devemos priorizar o desenvolvimento do capital humano. Por fim, quem governa deve sair do campo das ideias, ter coragem e foco para colocar em prática medidas que gerem resultados eficazes. Nessa perspectiva, o papel do governo precisa se limitar às suas funções específicas, garantindo a liberdade do povo e, consequentemente, da economia.

Matheus Cosso Resendeé acadêmico de Economia e aluno pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica. Este ensaio é a tradução do texto que ganhou o primeiro lugar no concurso de redação do Acton Institute 2020 Poverty Cure Summit, em novembro de 2020. 

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