O comércio global passa por significativas mudanças, abrangendo questões geopolíticas, as cadeias de suprimentos, mais restrições comerciais em grandes mercados, como os Estados Unidos e a China, avanço das vendas digitais e preocupação acentuada com o meio ambiente. Todos esses fatores estão estabelecendo uma nova conjuntura.
Uma das mudanças mais marcantes tem sido o aumento vertiginoso das pequenas encomendas por meio do e-commerce, o comércio global digital. Esta tendência não apenas criou mais oportunidades de negócios para pequenos empreendedores, mas também fez grandes plataformas digitais ganharem relevante espaço no comércio internacional de bens de consumo final, como vestuário. Também devemos explorar essas novas formas de vendas para colocar mais produtos brasileiros no mercado mundial.
Será que as regras atuais de comércio internacional e as legislações implementadas pelos países são adequadas para lidar com as características especificas desse tipo de negócio?
No Brasil, de acordo com os últimos dados divulgados pela Receita Federal, a média mensal de pacotes recebidos é de 18 milhões. Nos EUA os números são ainda mais expressivos. Estima-se que o país receba cerca de três milhões todos os dias. Será que as regras atuais de comércio global e as legislações implementadas pelos países são adequadas para lidar com as características especificas desse tipo de negócio?
O debate sobre o comércio eletrônico cross border tem se intensificado não só no Brasil, mas em todo o mundo. Questões tributárias, controle aduaneiro, oferta de produtos ilegais e falsificados são desafios que se apresentam com força. A regulamentação e aplicação consistentes de normas técnicas e padrões de qualidade também se tornam cruciais para proteger os consumidores e garantir a equidade no mercado.
Nesse contexto é que tem ocorrido a mobilização pela igualdade tributária no Brasil. Em seu mais recente episódio, foi estabelecida pelo Congresso Nacional taxação de 20% do Imposto de Importação para encomendas de até 50 dólares das plataformas internacionais. O fim da isenção foi um primeiro passo, mas o empenho pela isonomia continua, pois persiste grande diferença em relação aos 90% de impostos incidentes sobre a indústria e o varejo do nosso país.
Cabe observar que os benefícios concedidos às plataformas internacionais, a começar pela isenção tributária iniciada em agosto de 2023, e agora com uma taxação ainda muito aquém do que pagam as empresas brasileiras, são muito característicos de acordos comerciais entre países ou bloco de nações, como o que se está tentando efetivar há mais de 20 anos entre Mercosul e União Europeia. No caso da isenção e “preferência tarifária” para as encomendas internacionais via comércio eletrônico não houve nenhum processo de negociação com avaliação dos parceiros comerciais envolvidos e interesses ofensivos e defensivos.
O Brasil simplesmente ofereceu condições especiais a essas empresas estrangeiras, sem qualquer contrapartida ou negociação e de maneira muito simplista. Não se admite como contrapartida, como se justificou na origem do privilégio, a aderência dos sites de e-commerce ao Programa Remessa Conforme, pois cumprir leis e normas é obrigação.
Concessões dessa natureza neste novo cenário do comércio exterior geram riscos para os países, em especial num momento em que não se pode contar com arbitragem adequada de organismos multilaterais, num cenário geopolítico no qual a Organização Mundial do Comércio (OMC) parece letárgica, encontrando-se, inclusive, sem o seu órgão de solução de controvérsias. Assim, precisamos nos adaptar com os recursos e possibilidades que temos para vencer os novos desafios, o que inclui a igualdade de condições quanto aos impostos e ao aspecto normativo, tendência que já se observa na Europa.
É premente conferir o mesmo tratamento tributário, legal e regulatório a tudo o que é vendido em nosso país, prioridade que se coloca aos poderes Executivo e Legislativo e aos organismos reguladores e fiscalizadores. Caso contrário, seremos atropelados pela realidade irresistível de um planeta hoje sintetizado nas telas de múltiplos devices, no qual metade da população está a apenas um clic de comprar tudo o que desejar e de infinitas possibilidades de satisfazer seus anseios de consumo.
Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit); Patrícia Pedrosa é gerente de Comércio Exterior e Assuntos Regulatório da Abit.