“As iniciativas ESG representam, finalmente, uma verdadeira visão de sustentabilidade da sociedade civil no universo corporativo, atentando ao impacto de suas ações quando das necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras”.| Foto: Envato Elements
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Com o amadurecimento das economias após a Segunda Guerra Mundial e a excessiva pulverização do capital das grandes empresas na bolsa de valores norte-americana, surgiu o fenômeno da gestão abusiva nas empresas por executivos quando estas passavam a ter não mais a figura do dono, mas de uma multidão de acionistas. Consonante a isso, ficaram evidentes os interesses escusos de políticos, como os do ex-presidente americano Richard Nixon no caso Watergate; e de grandes grupos privados que conspurcavam com a máquina pública americana, como a Lockheed Martin Craft Corp., que, ao contribuir com a campanha de Nixon, teve facilitado um empréstimo de mais de US$ 200 milhões com aval do Congresso para exportar aeronaves a países europeus e asiáticos, assim evitando sua falência. Tudo isso fez o país repensar seus modelos de gestão antifraude e anticorrupção.

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A partir de 1950, os EUA se viram envoltos em grandes denúncias de gestão abusiva e escândalos de corrupção na iniciativa pública e privada, levando mercado e governo a promover políticas de estímulo a boas práticas, como a normatização de processos de gestão, a exemplo da ISO (sigla de International Organization for Standardization). Nos anos 1960, os EUA (e o mundo) começam a viver a era do compliance. A palavra vem do inglês “to comply withou seja, estar em conformidade com a regra interna da empresa, e descreve a adequação às normas estabelecidas e também reguladas por órgãos governamentais; mas, sobretudo, refere-se à governança corporativa da empresa, valores e o sistema (conjunto de práticas e princípios) pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, e tem como estabelecido o alinhamento dos relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria e partes interessadas/stakeholders.

Mais tarde, em 1977, os EUA promulgariam o que viria a ser a referência mundial em lei antifraude, antissuborno e normas contábeis: a lei federal Foreign Corrupt Practices Act. (FCPA). Por muitos ainda desconhecido, o FCPA é um divisor de águas para a gestão moderna. Sua reverberação no mundo da administração poderia ser considerada, em analogia, como a da carta magna constitutiva que alforriou a França absolutista do rei Luís XVI e a esbórnia dentre o “querer e o poder” na qual este reinava – uma conquista apenas possível a partir da mobilização dos próprios cidadãos parisienses, e que, nos EUA do FCPA, foi liderada pelos mercados e pelo governo, contra a corrupção e as más práticas do próprio mercado. Ainda assim, a lei foi insuficiente para deter casos espantosos de corrupção e administração lesivas que viriam a surgir: WorldCom, Lehman Brothers, Petrobras, Odebrecht, Enron, Madoff, Fifa... O FCPA viria a ser ratificado na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, pela OCDE e pelo Brasil, que se tornou signatário deste tratado.

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O mercado, que tinha até então, nas prateleiras dos supermercados e nas marcas de chinelo, a ideia máxima da “responsabilidade social e de sustentabilidade”, passa a entender o conceito do Environmental-Social-Governance não apenas como mais uma certificação, mas como um novo paradigma de negócios, um novo estilo de vida e uma nova era de negócios.

Em 2010, como reflexo do marco regulatório norte-americano, surge na Inglaterra o UK Bribery Act, legislação substancialmente mais robusta que o FCPA, com penalidades de multas ilimitadas ao infrator, dissolução da empresa e prisão de até dez anos. Estas leis, conjuntamente com as normas de governança e compliance que compõem os programas de integridade, viriam a permitir, principalmente nos EUA e Europa, mas também no resto do mundo, uma melhoria substancial das práticas antifraude na iniciativa pública e privada, mas tudo isso apenas no campo da gestão dos resultados patrimoniais.

No princípio dos anos 2000, surgiria uma iniciativa de proporções jamais imaginadas para a quebra de paradigma na gestão empresarial, e que viria impulsionar a comunhão indissociável do lucro ao bem-estar do ser humano e de nosso planeta. Algo indispensável hoje na agenda das grandes empresas, um mercado que poderá alcançar, em 2025, US$ 53 trilhões de acordo com a Bloomberg. Uma proposta nascida em 2004 pelas mãos do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que convidou 50 CEOs de grandes intuições financeiras, convocando-os a participar de uma iniciativa conjunta, apoiada pelo Pacto Global da ONU, pela International Finance Corporation (IFC) e pelo governo suíço.

Surgiam as iniciativas ESG. E o mercado, que tinha até então, nas prateleiras dos supermercados e nas marcas de chinelo, a ideia máxima da “responsabilidade social e de sustentabilidade”, passa a entender o conceito do Environmental-Social-Governance não apenas como mais uma certificação, mas como um novo paradigma de negócios, um novo estilo de vida e uma nova era de negócios.

As iniciativas ESG representam, finalmente, uma verdadeira visão de sustentabilidade da sociedade civil no universo corporativo, atentando ao impacto de suas ações quando das necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras. As empresas perceberam o valor agregado e a aderência pelo mainstream aos seus produtos de investimentos quando passam a fazer a conta do retorno de seus investimentos (TIR), incluindo algum ponto da agenda global como contribuição. Tais pontos vão do meio ambiente (fauna e flora) às injustiças sociais como educação, direitos das minorias e da mulher, ou promoção da saúde, que são efetivamente consideradas iniciativas também ESG.

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Fundos de pensão, companhias hipotecárias e grandes empresas que precisam alocar capital ostensivamente já têm, em seus estatutos e regulamentos, a obrigatoriedade de investir um porcentual mínimo de seu patrimônio em ESG. Segundo a PwC, 66% dos executivos fazem a tomada de decisão com base em três fatores principais, sendo um deles o ESG. O ESG também vem se mostrando um investimento assertivo do ponto de vista de retorno, seguramente pelos seus aspectos de governança que resultam em eficiência operacional.

Em 1776, Adam Smith escreveu, em A Riqueza das Nações, que a mão invisível do mercado autorregula as necessidades do próprio mercado. O filósofo e economista seguramente jamais imaginaria o alcance de seu prenúncio.

Alexandre Nigri é economista, professor de Compliance e Governança Corporativa do curso de MBA de Real Estate e Finanças do IBMEC, e CEO do Grupo Maxinvest e da MCP Realty.