A proteção à propriedade intelectual é um dos maiores estímulos que o Estado propicia à criatividade humana. Por meio desse conceito, garante-se a inventores e criadores o direito de uso exclusivo e temporário dos resultados de seus trabalhos, sejam eles novos produtos, designs, marcas, filmes, músicas, livros ou mesmo softwares para computadores. O inventor ou criador, assim, detém o conhecimento prévio de que, quando criar algo novo, poderá obter o reconhecimento público por sua atividade, bem como a justa remuneração por ela, o que, de certa forma, incentiva a produção intelectual.
Apesar da proteção jurídica conferida por diferentes leis brasileiras, é um fenômeno social a difusão de muitas dessas obras sem a devida autorização – ou mesmo conhecimento – do titular da propriedade intelectual. Trata-se, no jargão técnico, da figura da “contrafação”, popularmente conhecida como “pirataria”.
Segundo recentes pesquisas, a pirataria de obras intelectuais somente se acentuou nos últimos anos, o que, por certo, também decorre diretamente da mudança provocada pela pandemia da Covid-19 no cotidiano das pessoas. Dados de uma pesquisa feita pela empresa de cibersegurança Akamai apontam que, de janeiro a setembro de 2021, o Brasil atingiu o marco de 4,5 bilhões de streams e downloads não licenciados.
Muitos trabalhadores começaram a exercer as suas atividades em home office, com a necessidade de adquirir equipamentos eletrônicos e/ou softwares por conta própria. A seu turno, como o aumento de custos não veio acompanhado necessariamente do aumento de remuneração, o interesse em diminuir gastos levou a uma busca cada vez maior por produtos e softwares não licenciados.
Como segunda potencial justificativa, o trabalho remoto (ou mesmo o desemprego) fez com que muitas pessoas tivessem mais tempo para permanecer no próprio lar e, além de destinar tempo às atividades laborais, também pudessem desfrutar de diferentes meios de entretenimento, como filmes e livros. Tal como no cenário anterior, embora a tecnologia tenha tornado totalmente democrático o acesso imediato a obras literárias e a materiais audiovisuais, muitas vezes o acesso ao conteúdo depende do pagamento de uma devida – e justa – remuneração ao titular da propriedade intelectual. Contudo, pelo que demonstram as pesquisas, há muitas pessoas que optam por não pagar o preço do material e, como alternativa, buscam meios não autorizados para acessar as mesmas obras.
A conduta de reproduzir, no todo ou em parte, obras protegidas pela propriedade intelectual é vedada pela lei e chega a ser caracterizada como crime. Por exemplo, no caso de obras protegidas por direito autoral, como filmes, séries e músicas, o Código Penal, em seu artigo 184, prevê a pena de até quatro anos de reclusão para aquele que, indevidamente, violar direitos conferidos pela lei ao titular do conteúdo. Diante das severas penas, não aparenta ser a existência (ou a falta) de leis que fomenta ou deixa de inibir a pirataria. O problema encontra-se em outros fatores.
Um primeiro ponto para reflexão é a percepção de que somente existe a oferta de produtos, marcas, designs ou mesmo obras criativas não autorizadas porque há uma correspondente demanda. Obviamente que a busca por itens falsificados pode ser explicada, em parte, pela precariedade econômica de grande parcela da população brasileira, a qual não tem condições de pagar o preço de produtos e obras tidos por originais. Contudo, não se trata da única e principal justificativa.
A demanda por produtos ou obras falsificadas também tem um elemento informal, cultural, que é implícito a uma sociedade que entende que consumir esse tipo de informação não seria errado ou imoral. Tal entendimento, notadamente, é resultado de uma trajetória histórica nacional em que, por fatores socioeconômicos, consumir itens pirateados nunca foi visto como afronta à legalidade, mas sim como o único modo de se ter acesso a obras que, de outra forma, nunca estariam à disposição da maior parte da população.
A manutenção dessa lógica, contudo, é extremamente prejudicial à atividade intelectual no Brasil, pois muitos artistas e inventores que poderiam destinar a sua inventividade em benefício da sociedade simplesmente não o fazem por não serem devidamente reconhecidos ou remunerados pelo seu esforço. O resultado é a diminuição do desenvolvimento intelectual no país, por ausência de incentivos para tanto.
A correção da trajetória, por sua vez, não encontra lugar na mera criação de novas leis que punam a falsificação ou a contrafação de elementos intelectuais. Um ambiente mais propício à criatividade depende de uma mudança de comportamento, em que nossa sociedade possua tanto mais condições de consumir produtos e obras devidamente licenciadas quanto o discernimento da moralidade de seus atos.
Guilherme H. G. Cassi é doutor em Direito Econômico e professor do curso de Direito da FAE Centro Universitário.