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Artigo

Como combater a beleza?

Como combater a beleza? Perguntei-me isso outro dia, num desses momentos em que você fica entre o amor e o desprezo pelo mundo. Talvez seja a proximidade do fim do ano, época em que, pelo menos um pouco, fazemos aquilo a que o grande Chesterton se referia como as grandes virtudes de “ficar na cama” – ele escreveu um ensaio brilhante com este título. O período entre Natal e ano-novo ainda resguarda um pouco da preguiça restauradora da alma.

Quando ficamos na cama mais do que a boa conduta permite, como diz Chesterton em seu ensaio, e sem nenhuma desculpa científica idiota (desculpa esta que fará de nós hipocondríacos com sólida fundamentação científica, segundo o ensaísta inglês), nossa mente revela uma das suas qualidades essenciais: a de ser vadia como uma moça linda sem princípios morais muito rígidos. Estou convencido de que a mente é mesmo uma entidade feminina, do contrário não conseguiria ser tão amoral carregando em si tamanha leveza.

A beleza deixa o coração em brasa na mesma medida em que congela o olhar

Então, me perguntei: “Como combater a beleza?” Afinal, por qual razão alguém decidiria combater a beleza? Porque ela complica o dia a dia, estuário do comum e do banal? Porque, a uma certa altura da vida, já desistimos dela? Ou, pelo contrário, se nos tornamos obcecados por ela, pareceremos ridículos aos olhos dos mais jovens? Ou, quando jovens, ainda não a combatemos porque ainda não sabemos que vamos desistir dela quando, finalmente, a maturidade nos convencer de que a beleza é um delírio dos românticos? Uma futilidade típica de pessoas superficiais? A segurança é melhor companheira que a beleza nos momentos de fraqueza da alma. A beleza cobra de nós coragem, e a coragem é uma gota em meio ao mar de covardia que sustenta a evolução do Homo sapiens.

E se a beleza for uma forma de desigualdade social que deve ser combatida em nome da justiça? Sem dúvida ela é, uma vez que poucas nascem belas. Claro, com dinheiro compra-se uma razoável dose de beleza e, por isso mesmo, muitos poderão considerar, quem sabe um dia, que ser feia é a única forma de garantia de igualdade social plena. Um mundo de feias seria seguramente um mundo sem guerras?

Apesar do que pensavam Górgias e Protágoras, Helena foi uma grande causa para a destruição de Troia. Se ficarmos ainda na Grécia antiga, entenderemos que Ulisses, em seu retorno a Ítaca depois da Guerra de Troia, se fez amarrar no mastro do seu navio enquanto seus homens foram postos a dormir porque queria ouvir e ver a beleza mortal das musas e sereias. Isso quer dizer que homens normais preferiam dormir a vida inteira a fim de jamais encontrar a beleza em carne e osso?

Dostoiévski dizia que “a beleza salvará o mundo”. Não vou discutir a vasta fortuna crítica que aloca essa afirmação entre seus personagens mais místicos, Zózima, o monge de Os Irmãos Karamázov, e o príncipe Michkin, o idiota de Deus do romance O Idiota. Neste âmbito, a beleza de Cristo é que salva. Mas, ainda no romance O Idiota, o autor russo descreve aquela que foi sua maior personagem feminina, Nastássia Filippovna, a infeliz mulher mais bela do mundo. Todos os homens (menos aquele que ela ama, o príncipe Michkin, mas que ama outra, sua prima Aglaia) a querem como mero objeto sexual, e todas as mulheres a odeiam por simples inveja.

Seria verdade aquilo que se fala por aí? Que mulheres bonitas são caçadas a pauladas no mundo corporativo? Sendo este um fragmento perfeito do mundo, a distopia perfeita da realidade, provavelmente sim. No mundo real, desconfia-se da mulher bonita. Seu sucesso sempre será atribuído à facilidade com que seduz homens de poder. Da universidade ao tribunal, a beleza será sempre objeto de desconfiança.

A beleza deixa o coração em brasa na mesma medida em que congela o olhar. O simples modo como submete aquele que a enxerga já deveria ser o suficiente para combatê-la em nome da paz.

Segundo Camus, um fio de cabelo de uma mulher vale mais do que a metafísica. Pelo menos nisso Platão estava, sim, errado.

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