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Um belo dia você acorda e percebe-se indignada (o) com alguma cena de violência, desespero, negligência, abandono. Decide que não dá mais para continuar da mesma forma. Sente-se empoderado, solidário, responsável e começa a se mobilizar. Fala com outras pessoas, descobre cumplicidades... e pensa: "vou criar uma ONG".

Constituir uma organização não é uma obra para uma única pessoa. No caso de uma organização do terceiro setor – associação civil sem fins lucrativos ou fundação privada sem fins lucrativos, conforme o Código Civil Brasileiro/2002 – advogados e contabilistas têm de conhecer o corpo de leis, normas, regulamentos que afetam essas organizações e irão formatar o Estatuto Social, providenciar os registros, submeter ao Ministério Público da sede do empreendimento (em caso de fundação privada), obter o CNPJ etc.

Mais: em geral a nova organização nascerá de uma decisão tirada em assembléia, onde os interessados em sua criação estabelecerão sua missão institucional, sua finalidade, seu prazo de existência, sua composição, dentre outros detalhes e – é claro – os recursos necessários para seu funcionamento. Em caso de fundação privada, será necessário indicar o patrimônio necessário para a manutenção de suas atividades, que será destinado pelos particulares e passado por escritura pública para a organização nascente. Todas essas decisões serão registradas em atas, documentos oficiais transcritos em livros próprios, atestados em cartório de registros e assinados por todos os membros participantes.

Uma vez constituídas e ativas, as associações civis e as fundações privadas poderão buscar diferentes qualificações previstas nas legislações federal, estadual e municipal, que lhes permitirão usufruir isenção ou de imunidade tributária e previdenciária, como é o caso dos Certificados de Utilidade Pública Federal, Estadual e Municipal; o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social ou ainda a qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

O terceiro setor (conceito norte-americano) no Brasil abrange todo tipo de organização que, não sendo governamental (primeiro setor) e não sendo empresarial lucrativa (segundo setor), tem finalidade pública e atua no combate à pobreza e discriminação, trabalha pela inclusão social, acesso a serviços culturais etc. e não visa a distribuir seus resultados aos associados. Os resultados positivos da apuração contábil serão aplicados na missão institucional, revertidos para o aumento da oferta dos serviços sociais, melhoria das condições físicas e técnicas dos serviços prestados e ampliação do público-alvo beneficiário.

O conceito ONG identifica as organizações maduras dos movimentos sociais surgidos em defesa dos direitos humanos, ambientais e políticos. Muitas se encontram em estágio de enfrentamento e beligerância com o poder estatal; outras já migraram para o estágio de cooperação, colaboração e parceria.

Para constituir uma organização sem fins de lucro e ter sustentabilidade é preciso o conhecimento da realidade em que se pretende atuar. Muitas pessoas, indignadas ou entusiasmadas, negligenciam a fase de prospecção do empreendimento social, não dedicando tempo na identificação do público-alvo, do tamanho da demanda social, da existência da oferta e qualidade dos serviços disponíveis.

Em seguida, deve-se preocupar com orçamento, planejamento, organização administrativa, recursos humanos, materiais e financeiros, elaboração de projetos, captação de recursos, identificação de parceiros institucionais locais, nacionais e internacionais etc.

Os riscos de não seguir tais princípios levam à fragilidade das organizações, prejuízos sociais, desamparo das instituições e do público por elas atendido, falta de recursos e àquele velho e conhecido cenário: os idealizadores vão ficando cada vez mais sozinhos; o governo não lhes confere importância, apoio e recursos; não há profissionalização da gestão, dependência excessiva de voluntários... a instituição vive de passar o pires para poder honrar os compromissos diários, os poucos colaboradores peregrinando em empresas, órgãos governamentais, gabinetes dos representantes políticos em busca de recursos para a sobrevivência da instituição que um dia começou quando alguém acordou indignado, revoltado com a injustiça social, a miséria, a discriminação... e resolveu: "vou criar uma ONG"...

O novo marco legal do terceiro setor favorece a profissionalização dos gestores, ao admitir a remuneração dos dirigentes, num processo que levará à inflexão desejável na curva da eficiência e eficácia institucional, distanciando as organizações do amadorismo, do fracasso e da leniência, características incompatíveis com a pertinência social a elas conferida.

Ana Lúcia Jansen de Mello de Santana é professora de Economia da UFPR e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre o Terceiro Setor (NITS), também da UFPR.

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