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A disputa entre Bolsonaro e Lula deixou o país extremamente polarizado, com campanhas caracterizadas por muitos discursos sensacionalistas e poucas propostas de governo. Passado o calor da batalha, o que agora interessa saber é com a eleição de Lula, como será o futuro do país?
O ponto de partida é a posição do Brasil hoje no cenário global, especialmente em relação à inflação generalizada e à crise geopolítica causada pela guerra da Ucrânia. A inflação que o mundo todo está experimentando é efeito colateral das medidas que bancos centrais ao redor do mundo adotaram para lidar com a pandemia. O financiamento de auxílios emergenciais através da expansão das bases monetárias – ou seja, governos imprimindo dinheiro – inevitavelmente causam inflação, pois criar dinheiro novo não cria valor econômico real. Assim, o valor das moedas se corrói até que a nova quantidade de dinheiro represente a mesma quantidade de bens existentes.
O maior risco que enxergamos é que a eleição de Lula acabe com o teto de gastos e volte às políticas de intervenções econômicas, conforme defendeu durante sua campanha.
Para combater a inflação, o mecanismo clássico é aumentar os juros. A lógica é que juros mais altos reduzem a atividade econômica, porque diminuem a disponibilidade de crédito para consumo ou para novos investimentos. Com isso, a demanda geral por produtos e serviços é reduzida e os preços tendem a cair. O problema é que juros altos são como a febre causada por nosso sistema imunológico para combater um vírus. Resolve o problema, mas só depois de nos deixar de cama alguns dias. Para controlar a inflação, será necessário manter os juros altos ainda por vários meses e, ao longo desse período, o crescimento econômico ficará bastante prejudicado. A partir daí, vem o risco de recessão global do qual se tem falado.
Devido à história de nossa economia, inflação e juros altos são temas bem conhecidos por nosso Banco Central do Brasil, que soube agir rápido e aumentou a taxa de juros no Brasil cerca de um ano antes dos bancos centrais dos países desenvolvidos replicarem o movimento. Também foi mais vigoroso na ação. Enquanto o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, aumentou a taxa de juros de 0,25% ao ano em março de 2022, para 3,25% atualmente, o Brasil partiu de uma taxa de 2,00% em março de 2021 para os atuais 13,75%.
Por termos agido mais cedo e com mais vigor, estamos muito mais próximos de ter a inflação sob controle do que o restante do mundo. No jargão do mercado, hoje o Brasil está ahead of the curve, e o mercado espera que, já em 2023, a inflação esteja sob controle e possa ser iniciada a redução dos juros. O restante do mundo deve demorar mais para resolver o problema e a desaceleração da economia global pode nos afetar. Porém, há dois atenuantes: o Brasil tem uma economia menos globalizada que a média, que tende a sofrer menos contaminação de crises globais, e pode ser beneficiado pela crise geopolítica que vem se intensificando.
O conflito militar no leste europeu ficou restrito ao território da Ucrânia, mas os efeitos da guerra foram muito além de suas fronteiras. O ocidente impôs uma série de sanções econômicas à Rússia, que reagiu restringindo o fornecimento de commodities, especialmente petróleo e gás natural. Os cortes afetaram principalmente a Europa, dependente de gás natural russo, que agora está passando por uma crise energética. A tensão política trazida pela guerra chamou a atenção do mundo para os riscos de ter economias muito integradas a outros países, especialmente àqueles que podem se tornar politicamente hostis, convencendo muitos de que a globalização foi longe demais e é hora de dar alguns passos para trás. Em resposta a isso, se intensificou uma nova tendência de descentralização das cadeias políticas globais, privilegiando parcerias comerciais entre países com maior alinhamento político.
Esse cenário traz uma oportunidade ímpar para o Brasil – que tem a sexta maior população do mundo, mão de obra barata, território extenso, abundantes recursos naturais e grande potencial de geração energia limpa. Além disso, é próximo dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, e bastante alinhado com a política ocidental. Desta forma, somos fortes candidatos a receber parte da demanda hoje atendida pela China, o que pode trazer uma onda de investimentos estrangeiros e impulsionar nosso desenvolvimento econômico.
Não é todo dia que vemos o Brasil saindo de uma crise macroeconômica antes dos países desenvolvidos e em uma posição extremamente favorável para colher frutos de uma tendência de migração de cadeias produtivas importantes. É uma oportunidade que não deveríamos deixar passar. Para isso, precisamos de um governo sério e responsável, que busque facilitar o desenvolvimento de negócios no país e se mantenha consciente de que financiar medidas populistas com irresponsabilidade fiscal é uma estratégia que cobra seu preço logo adiante.
O maior risco que enxergamos é que a eleição de Lula acabe com o teto de gastos e volte às políticas de intervenções econômicas, conforme defendeu durante sua campanha, mas acreditamos que a configuração do novo Congresso Nacional e as alianças criadas para vencer a eleição sejam freios para políticas nesta direção e façam com que Lula adote uma postura mais voltada ao centro. No lado positivo, o novo presidente tem uma boa imagem internacional, principalmente entre países europeus, o que favorece o sucesso da agenda diplomática necessária para atrairmos investimentos estrangeiros e estabelecermos novos acordos de comércio internacional. Mesmo com uma eleição apertada, Lula está especialmente bem posicionado para alavancar o discurso de que o Brasil tem uma economia limpa, em linha com suas bandeiras de campanha.
Nos próximos anos, veremos se nosso país aproveitará essa oportunidade ou se ela entrará para a lista de chances desperdiçadas de nossa história.
Ivan Barboza é sócio-gestor do Ártica Asset Management.