Presidente do Irã, Hassan Rouhani, discursa durante uma reunião do governo.| Foto: KHAMENEI.IR/AFP

Ou o governo Trump está tentando arrumar uma guerra com o Irã, ou ela acontecerá por acidente, resultado das políticas irresponsáveis dessa administração – mas o fato é que a chance de as tensões atuais no Oriente Médio acabarem em um sério conflito são perigosamente grandes.

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Esta semana, quatro navios cargueiros foram sabotados perto da costa dos Emirados Árabes Unidos, na região do Estreito de Ormuz, corredor naval estratégico por onde passam cerca de 40% do petróleo mundial. A Arábia Saudita denunciou um ataque de drones a um de seus oleodutos, possivelmente perpetrado pelos houthis, que têm apoio iraniano. Os dois incidentes ajudaram a agravar o clima ruim e, para piorar, oficiais norte-americanos que não quiseram se identificar para a imprensa apontam o Irã como culpado. Teerã nega.

Além disso, durante reunião com os ministros das Relações Exteriores europeus em Bruxelas, o secretário de Estado Mike Pompeo divulgou relatos de repetidas ameaças iranianas no Oriente Médio. Em 15 de maio, o Departamento de Estado anunciou a retirada de funcionários não essenciais do Iraque, citando intimidações iranianas não especificadas. Tudo isso depois do agravo das sanções norte-americanas contra o Irã e a movimentação de um porta-aviões e B-52s dos EUA no Golfo Pérsico. Com Teerã ameaçando deixar o Plano de Ação Conjunto Global, mais conhecido como o acordo nuclear iraniano, o governo norte-americano vazou seus planos de enviar 120 mil soldados para a região se houver guerra.

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Um conflito com o Irã teria consequências históricas negativas para a segurança nacional, a economia e o status mundial norte-americanos

Não, o conflito não é inevitável. Em campanha, Trump prometeu trazer as tropas de volta, e não enviar outros muitos milhares de soldados ao Oriente Médio. Uma mobilização nesses números, além de inadequada para uma conflagração plena, é mais do que insensata. O combate nessa parte do mundo, como já deveríamos ter aprendido, não tem nem fim rápido, nem garante o objetivo a que se propõe.

A melhor maneira de evitá-lo é conversar com os iranianos, que é o que Trump já disse que queria fazer. Uma negociação para troca de prisioneiros, trazendo para casa os norte-americanos encarcerados ou desaparecidos no Irã, poderia criar um importante canal de comunicação, e a liderança em Teerã já se mostrou aberta para tanto. Mas o encontro só pode se realizar se os EUA voltarem a fazer parte do acordo nuclear – o que, infelizmente, a essa altura parece altamente improvável.

A boa notícia é que o Congresso, os aliados norte-americanos e outros podem intervir para que se evite um desastre.

Embora o bipartidarismo seja cada vez mais raro, o receio de enviar novas tropas para o exterior continua uma causa comum. As duas casas do Congresso devem realizar imediatamente audiências para esclarecer o vazamento dos planos de guerra. E se o governo não apresentar o secretário de Defesa interino, Patrick M. Shanahan, como testemunha, o Congresso deve aceitar quem quer que represente esse papel e incluir também no procedimento o presidente do Estado-Maior Conjunto ou seu designado. O inquérito deve ser público, mas uma sessão confidencial também deve ser organizada para que se discutam as informações vazadas de supostas armações orquestradas pelo Irã.

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Rodrigo Constantino: O mito da Idade de Ouro islâmica (publicado em 20 de junho de 2018)

Leia também: O Islã é compatível com a modernidade? (artigo de Ali Zoghbi, publicado em 1.º de dezembro de 2017)

O Congresso deve usar seus poderes para desafiar a autoridade legal de um conflito com a nação médio-oriental. Se o Senado definir o Ato de Autorização de Defesa Nacional de 2020 na semana que vem, terá a oportunidade de limitar o uso do orçamento para uma nova guerra; isso também dará ao Congresso a chance de desenvolver uma nova Autorização para o Uso de Força Militar, que é outra questão com apoio de ambos os partidos. Os congressistas que quiserem evitar uma guerra têm de lembrar ao país que o debate para a autorização do uso de força contra Saddam Hussein – apresentado como uma forma de reforçar a mão do presidente em matéria de diplomacia – acabou dando a George W. Bush a autoridade que ele usou para invadir o Iraque.

Há outros meios, mais discretos, de encorajar um desfecho pacífico para a questão. O Congresso – ao lado de think tanks e doadores particulares – deve incentivar o diálogo entre acadêmicos e líderes de opinião no Irã, nos EUA, na Europa e no Oriente Médio. Contando com a presença ocasional de representantes do governo, a iniciativa pode ajudar a neutralizar o potencial de conflito. O artigo recente, publicado neste jornal, escrito por Hossein Mousavian, acadêmico e ex-diplomata iraniano, e o pesquisador saudita Abdulaziz Sager, foi um primeiro passo corajoso nesse processo.

O Congresso também deve convidar os ministros das Relações Exteriores e da Defesa de França, da Alemanha e do Reino Unido – países que assinaram o acordo nuclear – a testemunhar e explicar por que é do interesse de todos a manutenção do tratado e a opção pela diplomacia, e não a ação militar, ao lidar com os iranianos. As autoridades de segurança europeias já vêm contestando a caracterização feita pela inteligência norte-americana sobre as ameaças do Irã. Ouvi-los pessoalmente deve, no mínimo, ajudar a população a perceber quanto o governo Trump está isolado do resto do mundo.

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A Europa já fez um trabalho verdadeiramente heroico para manter o acordo intacto, mas Paris, Berlim e Londres têm outra missão a realizar para ajudar a manter o Irã longe de um possível conflito com os EUA: concretizar e tornar viável o Instex, mecanismo financeiro para oferecer assistência humanitária e investimentos ao Irã, ignorando as ameaças de sanção feitas por Trump caso o esquema se efetive. É um risco que vale a pena correr, uma vez que a possibilidade de uma nova guerra seria catastrófica para o mundo. Líderes empresariais norte-americanos e europeus, bem como membros do Congresso dos EUA e líderes governamentais e de opinião do mundo todo, devem apoiar publicamente os países europeus nesse sentido.

Por fim, é vital que a imprensa continue sua cruzada em busca dos fatos e do que realmente está acontecendo no Irã. Não podemos reviver os dias anteriores à guerra do Iraque, quando mesmo as agências mais confiáveis repetiram e ampliaram o que não passava de um arremedo de justificativa para a guerra.

É bem possível que nada disso detenha John Bolton, o assessor para a segurança nacional, em sua sanha antiga de acabar com o regime iraniano – pela força das armas, se necessário. E talvez até Trump veja como promissora a estratégia, perfeita para desviar a atenção das acusações de obstrução que vem sofrendo, às vésperas das eleições de 2020, estimulando seus correligionários como um presidente "em tempos de guerra". Mas o fato é que um conflito com o Irã teria consequências históricas negativas para a segurança nacional, a economia e o status mundial norte-americanos. Não podemos permitir que isso ocorra.

Wendy R. Sherman é professora e diretora do Centro para Liderança Pública da Kennedy School de Harvard. Foi também subsecretária de Estado para Questões Políticas, principal negociadora do tratado nuclear do Irã e autora de "Not for the Faint of Heart: Lessons in Courage, Power and Persistence".

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