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O campo da psicologia social às vezes é acusado de não fazer nada além de ratificar o bom senso; por isso, vale a pena prestar atenção quando suas descobertas são verdadeiramente surpreendentes. No caso, estou falando da conclusão de que quando somos recompensados por fazer algo, a tendência é perdermos interesse no que quer que tenha que ser feito para obtê-la.

Essa dinâmica já foi confirmada infinitas vezes, com todo tipo de gratificação e tarefa em diferentes culturas, faixas etárias e gêneros, mas muitos professores, pais e chefes insistem em versões do que vem sendo chamado de “controle disfarçado”.

Os psicólogos geralmente fazem a distinção entre a motivação intrínseca (fazer alguma coisa para benefício próprio) e extrínseca (fazer alguma coisa para conseguir uma guloseima, por exemplo). A primeira é o melhor indicador da conquista de alta qualidade, mas pode ser afetada pela segunda. E tem mais: quando você promete uma recompensa a alguém, isso estimula um desempenho mais sofrível.

Comecei a fazer o acompanhamento e tentar explicar essas linhas de pesquisa no final dos anos 80 e, este ano, revisei todos os estudos que encontrei e que foram conduzidos desde então – e as conclusões de que a recompensa acaba com o interesse e a excelência se tornaram ainda mais robustas.

Quando você promete uma recompensa a alguém, isso estimula um desempenho mais sofrível

Diversas análises, por exemplo, mostram que a criança tende a se tornar menos preocupada com o bem-estar do outro se foi recompensada antes por ajudar ou compartilhar; já o aluno se torna menos motivado a aprender assim que recebe uma nota (ou qualquer outro tipo de estímulo artificial) por fazê-lo. E embora a corporação norte-americana média se pareça muito com uma câmara de condicionamento operante gigante com estacionamento, nenhum estudo controlado jamais, pelo que eu tenha conhecimento, encontrou uma melhoria em longo prazo na qualidade do trabalho dos funcionários como resultado de qualquer tipo de incentivo ou programa de recompensa por desempenho.

Há anos os pesquisadores investigam algumas dúvidas curiosas, surgidas a partir dessas conclusões básicas. Por exemplo: E se a recompensa for grande e exuberante? (Resposta: é capaz de causar um dano ainda maior à motivação intrínseca.) A recompensa é destrutiva porque desvia a atenção da pessoa da tarefa a ser cumprida? (Aparentemente não, porque outras distrações não têm o mesmo efeito negativo.) O que é pior, dar uma recompensa pré-definida à pessoa por fazer algo ou subordiná-la à qualidade do trabalho? (A segunda, de longe.)

Dê a um grupo de adultos ou crianças um quebra-cabeças para montar ou um poema para escrever, prometa à metade uma recompensa se tiver sucesso e observe como seus integrantes vão acabar se mostrando menos criativos e interessados que os que fazem parte da outra metade. Tais estudos levaram alguns observadores a concluir que a paga deve ser evitada para as tarefas interessantes, mas podem ter um efeito inócuo ou até adequado quando gente com mais poder quer convencer aqueles com menos a realizar tarefas tediosas. (Se há uma coisa que esse campo me ensinou, foi que a recompensa, assim como a punição, é só uma questão de poder.)

Flávio Gordon: A escola dos bárbaros (publicado em 4 de setembro de 2017)

Leia também: O que é educação clássica (artigo de Rafael Falcón, publicado em 4 de outubro de 2016)

Porém, novas pesquisas descobriram que a gratificação também pode ter um efeito contrário quando oferecida para que se faça coisas pouco interessantes, principalmente quando se observa o que acontece depois que ela deixa de ser ofertada. Por exemplo, Thane Pittman e seus colegas, do Colby College, descobriram que quando a pessoa procrastina alguma tarefa – que quase sempre é chata ou tediosa –, a recompensa oferecida pela conclusão antecipada não ajudou ou levou a uma procrastinação ainda maior.

E o que dizer da premiação apenas pelo comparecimento/presença? Em 2015, pesquisadores da Universidade de Hong Kong e de Nova York analisaram um grupo de crianças de nove anos de uma área extremamente pobre da Índia cuja frequência escolar era muito inconstante. A elas foi prometida uma recompensa se assistissem às aulas em pelo 32 dos 38 dias. Durante esse período, obviamente, a assiduidade de muitas crianças melhorou, mas, depois disso, caiu imediatamente, tantos para os níveis anteriores ou, no caso dos alunos sobre os quais a recompensa não tinha tido nem um efeito temporário, muito mais baixos do que os existentes no início do experimento.

Outro estudo, conduzido por Carly Robinson e seus colegas em Harvard e divulgado como trabalho documental em meados deste ano, acompanhou mais de 15 mil alunos em 14 distritos escolares da Califórnia, observando para ver se quem recebia algum tipo de premiação pela frequência exemplar no trimestre iria para a escola mais constantemente em fevereiro em relação aos que não tinham ganhado nada. Mais uma vez, ela ou não teve efeito nenhum, ou levou a uma frequência pífia.

Novas pesquisas descobriram que a gratificação também pode ter um efeito contrário quando oferecida para que se faça coisas pouco interessantes

O que é ainda mais impressionante é que os estudos que desafiam os pressupostos sobre o comportamento humano são aqueles cujos resultados surpreendem os próprios autores. (Dica: procure a frase “contrário à hipótese”.) Foi o caso das duas análises sobre assiduidade, embora as conclusões fossem bastante previsíveis levando-se em consideração pesquisas anteriores.

Um aspecto do estudo da Califórnia, porém, já não era fato científico estabelecido: os pesquisadores tentaram oferecer aos alunos uma recompensa inesperada, após o fato, e essa tática acabou provando ser ainda mais danosa do que o anúncio adiantado. Exames anteriores tiveram resultados variados nessa questão, com alguns mostrando que a surpresa, mesmo não ajudando, pelo menos não atrapalhou, mas isso foi para os experimentos de laboratório planejados e feitos em uma única ocasião. Se você recebe uma recompensa inesperada no mundo real, na próxima ocasião é provável que meio que espere que ela se repita, e pode até se ressentir se isso não se concretizar – e ser manipulado se ocorrer.

Já deve ter ficado claro que o problema não está no tipo de recompensa, na hora em que é ofertada, nem em qualquer detalhe de como é feita, mas sim com a teoria ultrapassada da motivação embutida na ideia de tratar as pessoas feito animal de estimação, ou seja, é como se você dissesse “Faça isso que eu lhe dou aquilo.”

Leia também: Lugar de criança e lugar do Estado (artigo de Rick Dias, publicado em 29 de agosto de 2018)

Leia também: O poder multiplicador do bem (editorial de 21 de maio de 2018)

De fato, vários pesquisadores nestes últimos 50 anos admitiram-se surpresos pela ineficácia ou o poder destrutivo da recompensa quando aos adultos é oferecido dinheiro para o cumprimento de uma tarefa complicada, quando entradas de cinema ou elogios são distribuídos às crianças em troca da experimentação de uma bebida desconhecida (da qual gostaram menos do que as outras, que não receberam absolutamente nada em troca), quando a gratificação por mérito não conseguiu melhorar o desempenho dos professores, e quando incentivos não aumentaram o uso do cinto de segurança, nem ajudou as pessoas a emagrecer e continuar assim.

O máximo que esses estímulos conseguem é alterar o comportamento temporariamente, mas jamais conseguem criar um compromisso duradouro com uma ação ou valor, quase sempre tendo o efeito exatamente oposto, contrário à hipótese.

Trabalhar com as pessoas para ajudá-las a cumprir melhor uma tarefa, aprender com mais eficiência ou adquirir bons valores leva tempo, exige trabalho mental, esforço e coragem. Fazer coisas para os outros, como por exemplo oferecer-lhes uma recompensa, é relativamente fácil para quem dá, o que talvez ajude a explicar por que essa tendência continua teimosamente popular, mesmo com décadas de pesquisas comprovando seu fracasso.

No caso da assiduidade, é muito mais fácil – e muito menos ameaçador para quem ocupa posições de autoridade – recompensar estudantes e funcionários pela presença física do que reconfigurar escolas e locais de trabalho para estimular uma provável frequência.

Alfie Kohn é autor de livros sobre comportamento e educação, incluindo, mais recentemente, uma nova edição de “Punished by Rewards”.
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