O debate sobre o papel do Estado e a função da lei é crucial no Brasil atual. Vivemos em um mundo onde as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas ocorrem rapidamente, e a capacidade do Estado de acompanhar essas transformações torna-se cada vez mais questionável. Afinal, será que uma única instituição, com um número limitado de servidores e especialistas, é realmente capaz de se adaptar continuamente e compreender todas as injustiças e imperfeições de uma sociedade em constante evolução? E mesmo que consiga, será ele capaz de nivelar essa balança de forma justa por meio do instrumento da lei?
Conforme argumentado por Frédéric Bastiat em sua obra A Lei, esta deveria se restringir exclusivamente à proteção dos três direitos fundamentais do indivíduo: a Vida, a Liberdade e a Propriedade. Contudo, no Brasil, há uma tendência preocupante de sobrecarga legislativa, onde o Estado continuamente tenta resolver todos os problemas da sociedade, invadindo esferas que deveriam ser protegidas da intervenção estatal.
As atitudes de Moraes não apenas minam a credibilidade do sistema judiciário brasileiro, mas também revelam uma perigosa tendência de utilizar o Poder Judiciário como instrumento de repressão política e silenciamento de opositores
Essa expansão das “funções” da lei frequentemente resultam em uma aplicação injusta e seletiva, favorecendo interesses particulares em detrimento do bem comum. Legislações ambientais e econômicas, por exemplo, ao invés de promover a justiça, muitas vezes acabam privilegiando grupos específicos, criando distorções de mercado e perpetuando injustiças sociais.
Além disso, a intervenção estatal no Brasil não se limita apenas a questões econômicas. O Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020), por exemplo, ameaça gravemente a liberdade de expressão no Brasil, disfarçando um potencial instrumento de censura como uma medida de proteção à democracia. Embora seus defensores, como o deputado Orlando Silva, insistam que a votação em 2024 (que, por ora, ainda não foi pautada na Câmara) seria mais focada no mérito da regulação do que na sua implementação em si, o projeto ainda assim impõe obrigações amplas e vagas às plataformas digitais, abrindo margem para interpretações autoritárias que podem silenciar vozes críticas.
A oposição de grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, reflete a preocupação de que a lei não só limita a livre circulação de ideias, mas também transforma as plataformas em agentes de controle estatal. Em vez de proteger, o PL 2630 pode sufocar o debate público e a diversidade de opiniões, transformando o ambiente digital em um espaço de repressão, em vez de um fórum de liberdade.
Outro preocupante exemplo desse movimento governamental perverso são as recentes ações do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que representam uma alarmante escalada autoritária no Brasil, com graves implicações para a liberdade de expressão e o estado de direito. Moraes ameaçou prender o representante legal da X (antigo Twitter) no Brasil, caso a plataforma não cumprisse suas ordens de censura, que incluíam a remoção de contas e a entrega de dados privados de usuários.
Essas ordens foram amplamente vistas como abusivas e ilegais, forçando a X a fechar suas operações no país para não se tornar cúmplice de um regime de censura. Elon Musk, proprietário da X, criticou ferozmente as ações de Moraes, chamando-o de um "desastre para a justiça" e comparando-o ao vilão Voldemort, de Harry Potter. Não satisfeito, Moraes retaliou as atitudes de Musk ameaçando suspender as atividades da plataforma no Brasil, bem como o congelamento das contas da Starlink, uma empresa também dirigida por Musk, mas que tem uma estrutura societária completamente apartada da X.
As atitudes de Moraes não apenas minam a credibilidade do sistema judiciário brasileiro, mas também revelam uma perigosa tendência de utilizar o Poder Judiciário como instrumento de repressão política e silenciamento de opositores. A investigação criminal aberta por Moraes contra Musk por suposto incitamento à desinformação só reforça o caráter persecutório de suas ações, evidenciando o risco de o Brasil se encaminhar para um estado cada vez mais autoritário, onde a lei é manipulada para servir aos interesses daqueles no poder.
Diante dessa realidade preocupante, é imperativo repensar o papel do Estado na regulação da sociedade. A solução não reside na abdicação completa da função reguladora, mas sim na definição clara e consciente dos limites da intervenção estatal, concentrando-se exclusivamente na proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos. O Brasil enfrenta o desafio urgente de equilibrar a legislação com esses direitos em uma sociedade em constante evolução.
O Estado deve reconhecer seus limites e resistir à tentação de usar a lei como um remédio universal para todas as mazelas sociais. Somente ao restringir sua atuação à proteção desses direitos e evitar a intervenção excessiva em todos os aspectos da vida social e econômica, poderemos garantir uma sociedade verdadeiramente livre e justa, onde a lei cumpra seu propósito original de proteger, e não de oprimir.
Nícolas Fonteyne é engenheiro formado pelo Insper, com passagens pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), e membro associado do IFL-SP.
Vai piorar antes de melhorar: reforma complica sistema de impostos nos primeiros anos
Nova York e outros estados virando território canadense? Propostas de secessão expõem divisão nos EUA
Ação sobre documentos falsos dados a indígenas é engavetada e suspeitos invadem terras
“Estarrecedor”, afirma ONG anticorrupção sobre Gilmar Mendes em entrega de rodovia