Quando os economistas falam da riqueza de uma nação, normalmente se referem ao Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os produtos finais obtidos a partir dos serviços prestados no país ao longo de um ano. Os produtos intermediários, como partes e peças de carros vendidos para montadoras, não entram no cálculo, pois isso pode gerar a contagem dupla. Agora, se uma pessoa comprou um farol novo para o seu carro, essa aquisição também entrará no cálculo do PIB. No ano de 2019, o PIB do Brasil chegou a R$ 7,3 trilhões.
Agora, se alguém está vendendo, há alguém comprando, correto? Então, podemos ver o PIB pelo lado da demanda. Ou seja, ele também pode ser mensurado como tudo o que foi adquirido em nosso país durante um ano. Dividimos os “compradores” em três grandes grupos: governo, empresas e famílias. Segundo dados do IBGE, o PIB do segundo trimestre de 2020 – dado mais recente disponível – pode ser explicado pela ótica do consumo. A soma de todas as compras feitas pelas famílias brasileiras chegou à quantia de R$ 1,16 trilhão. Olhando esse número, vemos que 64% de todos os bens e serviços finais produzidos no Brasil foram adquiridos pelas famílias. O governo foi responsável por pouco menos de 20% e as empresas, por pouco mais de 15%.
Fica fácil perceber que somos nós – a família brasileira – que tocamos a economia do país. Quando falamos em auxílio emergencial, dá para ver que falamos também em geração de riqueza. Mais dinheiro no bolso das famílias, mais dinheiro para o consumo. Com o confinamento, muitas pessoas perderam os seus empregos ou tiveram os seus salários reduzidos. Menos salário, menos compra, menos crescimento, o PIB encolhe. O governo brasileiro, com agilidade, aprovou o auxílio emergencial, compensando a perda de renda da família. Com a renda reposta, as pessoas puderam continuar comprando e reduzindo o impacto negativo do confinamento em nossa economia. Sem o auxílio emergencial, teríamos sofrido muito mais.
O quadro vivido no Brasil não foi local. O mundo todo passou pela mesma situação. A solução implementada aqui não foi uma “jabuticaba”. A receita foi global: oferecer dinheiro para que as famílias e pequenas empresas continuassem consumindo e operando. Em outros países, a forma pode até ter sido um pouco diferente da nossa, mas o objetivo foi o mesmo: garantir que as famílias tivessem dinheiro para continuar comprando e manter a economia funcionando.
O auxílio emergencial dado às famílias tem um custo e pesa nas contas públicas, aumentado a dívida do governo. Em alguns países – poucos, na verdade –, as contas estão estabilizadas. Em outros, a situação é difícil. No Brasil, todos sabemos que o governo gasta muito e já está superendividado. Não está nada fácil a nossa situação. Mas, naquele momento, o melhor a ser feito era mesmo obter um empréstimo para disponibilizar o auxílio à população menos privilegiada.
Esse gasto inesperado teve um forte efeito no caixa do governo. Saiu mais dinheiro do que o esperado, a dívida aumentou e terá de ser paga em uma data futura. Uma solução, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e rechaçada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, é aumentar os impostos. Isso também é complicado: resolve o problema da dívida do governo, mas reduz a quantidade de dinheiro em nossos bolsos. Com essa realidade, compraremos menos e o crescimento do país também será menor.
É difícil a situação que nós e muitos outros países enfrentamos com o confinamento social. Não quero entrar na discussão sobre se devemos ou não manter o distanciamento social. Do ponto de vista econômico, o isolamento é catastrófico. Ele reduz a renda das famílias, que acabam reduzindo o seu consumo. Menos gastos, menos dinheiro circulando, a economia sofre.
Qual a saída? Existe uma? Sim: o crescimento com qualidade. Com ele, a economia não só cresce como também ganha em eficiência. A produtividade aumenta. Esse crescimento causa um natural aumento na arrecadação de impostos, reequilibrando o caixa dos governos. Os governos arrecadam mais, reduzindo as suas dívidas. E só as reformas tributária e administrativa podem nos levar a esse tipo de crescimento. Sem elas, o Brasil continua patinando.
A arrecadação de impostos no Brasil é complicada, confusa, ineficiente e desigual. A reordenação e a simplificação de nossos impostos são prioritárias. Também é urgente taxar mais quem pode pagar mais, e cobrar menos de quem não pode. Chamamos isso de justiça fiscal, perdida ao longo dos anos por uma regulamentação tributária velha e cheia de puxadinhos. A reforma administrativa aumenta a eficiência do governo e permite a sobra de caixa para investimentos que sustentam o crescimento de longo prazo. Sem uma reordenação da máquina do governo, continuaremos gastando muito e mal.
No caso de enfrentarmos uma segunda onda de contaminação pela Covid-19, cabe a pergunta: teremos uma renovação do auxílio emergencial? Mesmo antes da pandemia, o governo brasileiro, em todos os seus níveis – federal, estadual e municipal –, gastava muito e mal. A grande maioria dos estados está quebrada. Não tem dinheiro nem para pagar salários e aposentadorias. Se o país passar por uma segunda onda de infecção – o que já acontece na Europa e Estados Unidos –, um novo auxílio emergencial seria necessário. Mas esse gasto adicional colocará as contas dos governos em situação ainda pior. Não sei o que é pior: não aprovar um novo auxílio ou aumentar ainda mais o descontrole das contas do governo. O auxílio emergencial ajuda o país a funcionar. Reduz o efeito do confinamento. Mas ele tem um custo alto. Nossa situação não é fácil.
Grandes e profundas mudanças na parte tributária e na forma como os governos gastam o seu dinheiro são o único caminho para atravessarmos esse período e caminhar em direção a um crescimento sustentável de longo prazo. Aprovar transformações responsáveis, intensas e efetivas nas contas do governo é nossa única saída. Vamos torcer para que os poderes Executivo e Legislativo encontrem a fórmula segura para o nosso querido país.
Lauro Araújo é assessor de investimentos na Atrio Investimentos.
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