A pandemia da Covid-19 trouxe novos modelos pedagógicos para serem (re)pensados, principalmente por conta da relevância que o ensino remoto tomou. Junto a isso, também surgiu a necessidade da quebra de paradigmas de que o professor é a única fonte de conhecimento e os alunos são atores passivos no processo de ensino e aprendizagem. Logo, as tendências pedagógicas deixam de centralizar o “saber”, passando a dar espaço para “vez e voz” do aluno, em que ele se torna protagonista de seu aprendizado. Agora, partimos do ponto em que esse aluno sabe onde se encontra em sua jornada de aprendizagem e passa a ser orientado em seus próximos passos para que alcance o objetivo.
E foi assim que o cenário escancarou o despreparo no que diz respeito à apropriação das tecnologias digitais no ambiente remoto. A culpa não está na tecnologia, mas sim na ausência de capacitação e formação docente para que tal seja usufruída da melhor forma possível, ajudando a ser explorada em suas potencialidades. Não vamos entrar no mérito das desigualdades em nosso país, bem como as dificuldades de acesso à internet, porque realidades conhecidas. Porém, não se pode negar que as bagagens, tanto de professores quanto de alunos, foram postas à prova quando se propôs inseri-los em um modelo pedagógico embasado pelo ambiente remoto. Ambos tiveram que se adaptar a esta nova forma de ensinar e aprender, e isso só reforçou a necessidade de repensarmos como estamos olhando para as tecnologias digitais.
Desta forma, tratá-las como simples ferramentas ou algo remetido à usabilidade esporádica é o primeiro erro. Por isso, se partimos de um modelo pedagógico subsidiado pelo remoto, então o primeiro movimento é contemplar as possibilidades deste ambiente. Estar inserido no ambiente remoto e apropriar-se do mesmo vai além de uma atualização das tecnologias digitais. Precisamos, sim, perceber o alcance das possibilidades a partir dessa ação, tanto no que se refere à mudança de postura do professor quanto àquilo que é despertado no aluno.
A adaptação à nossa realidade é importante, porém, de nenhuma forma devemos nos colocar na posição de “síndrome de vira-lata” quando comparado às práticas pedagógicas fora do Brasil. Em 2018 realizei um estágio em Londres e os alunos utilizavam iPads. Voltando para o Brasil, apliquei a mesma premissa em uma escola pública de Campinas, utilizando smartphones. O resultado foi bem parecido. Isso demonstra que temos a mesma capacidade de realizar tais feitos, ainda que desenvolvidos com tecnologias distintas. Se adaptar à nossa realidade é respeitar as unicidades e diferenças que, novamente, não possuem nada de inferioridade em relação ao resto do mundo.
Durante a pandemia, várias ações de formação docente foram desenvolvidas para que os professores pudessem se adequar ao contexto pandêmico, além de congressos e artigos científicos descrevendo algumas ações deste cunho. Isso demonstra a preocupação do país em seguir se aprimorando.
A principal diferença entre os modelos pedagógicos de hoje e de há cinco anos no Brasil está na forma como passamos a olhar para o aluno. Os estudos relacionados a metodologias ativas não são atuais, mas me parece que ganhou força sua aplicabilidade na prática nos últimos anos. Isso vem ao encontro de algumas competências necessárias para o nosso século: comunicação, colaboração, criatividade e criticidade. Como as metodologias ativas têm por objetivo incentivar os estudantes a aprenderem a partir de problemas e situações reais, e em contextos coletivos que estimulam o debate e o senso crítico para chegar à solução destes problemas, elas possuem potencial para que tais competências sejam desenvolvidas.
A partir do momento em que eu, enquanto ensinante, me conscientizo de que há diferentes objetivos, competências e habilidades em cada aprendente, devo refletir como alcançá-los, como ouvi-los. Não devemos condicionar o vazio a uma câmera fechada ou microfone - situações comuns do ensino remoto. Também não podemos condicionar o processo de mudança do presencial ao remoto como algo que não proporciona novas perspectivas e cenários de aprendizagem – e a troca de saberes e aprenderes entre os atores envolvidos, posto que o aprender sempre é uma via de mão dupla. E, por fim, não condicionar nossa humanidade e empatia apenas porque a máquina faz parte de nosso contexto remoto.
Devemos partir da premissa de que o aluno é um ator ativo em sala de aula, e a aprendizagem é uma via de mão dupla. Se o professor apenas se preocupa em cumprir o currículo e com o conteúdo em si, ele não irá olhar para o aluno como um ser humano que possui seu próprio ritmo de aprendizagem e sua bagagem cultural. Se a premissa é multiplicar o ingresso de estudantes sem levar em conta que tampouco o professor conseguirá estabelecer conexões e diálogos, teremos uma receita pronta para a evasão e abandono. Por isso, acredito que o modelo pedagógico não parte da quantidade, e sim da qualidade de entrega.
Pamela de Bortoli Machado, doutora em Multimeios e Educação na área de Metodologias Ativas pela UNICAMP e pós-doutoranda em Educação e Tecnologia pela FEUSP, é especialista pedagógica na Labenu.