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Como questionar os reajustes dos planos de saúde coletivos

Hábitos saudáveis e acompanhamento com médico especialista são essenciais para evitar os riscos da hipertensão.
A ANS decidiu que, neste ano, os planos de saúde individuais/familiares devem ser reajustados negativamente em -8,19%. (Foto: Shutterstock / Arquivo)

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A Agência Nacional de Saúde Suplementar decidiu que, neste ano, os planos de saúde individuais/familiares devem ser reajustados negativamente em -8,19%. Isso significa que as mensalidades terão desconto a partir da data do aniversário do contrato e pelos 12 meses seguintes. Essa decisão é inédita, mas atinge uma minoria. Segundo dados da ANS, quase 80% dos beneficiários de planos de saúde do Brasil estão vinculados a contratos coletivos empresariais ou por adesão. Os reajustes destes contratos não são fixados pela agência reguladora, mas negociados individualmente, em sua maioria, em razão da sinistralidade do período anterior – a sinistralidade é o resultado entre as despesas do grupo de beneficiários do contrato em face da receita gerada, levando em consideração também a variação dos custos envolvidos nos serviços de saúde.

É de conhecimento geral que, desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, a utilização dos serviços médicos eletivos sofreu uma forte redução. Não só os atendimentos eletivos foram suspensos por alguns períodos por determinação das autoridades sanitárias, como também os próprios pacientes decidiram postergar consultas, exames e cirurgias que não eram urgentes. Apesar de essa ter sido a realidade da grande maioria dos beneficiários de planos de saúde (mais de 47 milhões de brasileiros) – o que foi determinante para a ANS decidir pela aplicação do índice negativo de reajuste para os contratos individuais/familiares –, as operadoras continuaram aplicando reajustes elevados nos contratos coletivos. Há notícia de que alguns planos de saúde estão sendo reajustados em até 20%, contrariando o cenário da queda da sinistralidade nos últimos 18 meses de pandemia.

Como, então, o empresário, associação ou sindicato pode negociar esse reajuste? Normalmente, o contrato firmado com a operadora de plano de saúde contém uma cláusula de reajuste anual que estabelece uma fórmula para o cálculo. Os dados que compõem o cálculo consistem em informações unilaterais que o contratante do plano de saúde não dispõe, que são as despesas dos beneficiários e variação dos custos assistenciais. Esses números, em comparação com a receita – o que foi pago nos 12 meses anteriores pelo contratante –, compõem um porcentual de sinistralidade. Portanto, o primeiro passo da negociação com o plano de saúde é solicitar as informações sobre a sinistralidade específica do contrato nos últimos 12 meses. A ANS estabelece que é obrigatória a disponibilização, à pessoa jurídica contratante, da memória de cálculo do reajuste e metodologia utilizada com o mínimo de 30 dias de antecedência da data prevista para a aplicação do reajuste – que, recorde-se, somente pode ocorrer a cada 12 meses.

Uma vez de posse dos dados da sinistralidade, o empresário, associação ou sindicato tem meios objetivos para poder negociar o reajuste do plano de saúde. Entende-se que, quando as despesas assistenciais foram de até 70% da receita arrecadada com as mensalidades, o contrato está economicamente equilibrado. Nesse contexto, não haveria motivos objetivos para a operadora impor reajustes.

A falta de transparência das cláusulas contratuais que estabelecem a metodologia de reajuste e a imposição unilateral dos índices fere a boa-fé objetiva à qual todos os contratos estão vinculados, sem falar nas transgressões ao Código de Defesa do Consumidor. Ainda que se alegue que a pessoa jurídica contratante não seja consumidor nos termos da lei, os beneficiários, sejam eles os associados de um sindicato ou funcionários de uma empresa que custeiam integral ou parcialmente o plano de saúde, são os consumidores finais impactados pelos reajustes abusivos, o que exige transparência na informação sobre os índices e respectivos cálculos aplicados.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar decidiu que, neste ano, os planos de saúde individuais/familiares devem ser reajustados negativamente em -8,19%.

Aqui, é importante lembrar que os contratos de plano de saúde com até 29 vidas não têm cálculo de sinistralidade individual. Segundo regra da ANS, as operadoras devem agrupar todos os seus contratos coletivos com até 29 vidas para, então, calcular a sinistralidade e o reajuste, que deve ser aplicado igualmente para todos, como forma de diluir o risco. Mas, mesmo neste caso, a operadora deve dar total transparência da sinistralidade do agrupamento dos seus contratos para justificar o reajuste proposto.

Mesmo que a ANS não regulamente os índices de reajustes dos planos de saúde coletivos, todas as operadoras são obrigadas a informar à agência os índices aplicados aos seus contratos para fins de acompanhamento.

A pessoa jurídica que se sentir lesada com a imposição de um reajuste abusivo no seu contrato de plano de saúde e que não consiga negociar índices aceitáveis com a operadora sempre tem a possibilidade de pedir a rescisão do contrato e migrar a carteira dos beneficiários para outra operadora que possa oferecer um valor mais acessível. No geral, em caso de novos contratos, os funcionários da empresa (com mais de 30 vidas) ou associados das entidades de representação profissional que aderirem ao novo plano de saúde no prazo de 30 dias da formalização do contrato não cumprem prazos de carência.

Em suma, ainda que a ANS não estabeleça os tetos de reajuste dos contratos de planos de saúde coletivos, é direito das pessoas jurídicas contratantes exigir da operadora a demonstração dos dados e metodologia do cálculo adotado para determinação do índice de reajuste. A partir do momento em que a contratante entende qual a efetiva sinistralidade do seu contrato, tem ferramentas objetivas para poder negociar junto à operadora.

Melissa Kanda é advogada especializada em Direito Médico e à Saúde e secretária da Comissão de Direito à Saúde da OAB/PR.

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