Logo no prefácio do livro Como ser um conservador, Roger Scruton imagina o perfil de seu público leitor: alguém que defenda a justiça do common law, a democracia parlamentar, a caridade privada, o espírito público e os “pequenos pelotões” de voluntários, ou seja, aquele que não se acostumou completamente à autoridade de cima para baixo do moderno Estado de bem-estar, e menos ainda às burocracias transnacionais que se empenham para engoli-lo.
Para o filósofo britânico, nosso modo de vida está ameaçado, e por isso o conservador precisa reagir. A oportunidade de viver com liberdade, a segurança do império da lei, uma cultura aberta e questionadora, tudo isso e muitas outras coisas familiares são tidas como certas, mas correm perigo. O conservadorismo, para Scruton, “advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas”.
Diante da opinião pública, o conservador pode ser visto como aquele chato do contra. Scruton resume: “Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa”. Daí a importância da ficção, da “imaginação moral”, a ideia de que devemos ser modernos na defesa do passado e criativos na defesa da tradição, para compensar essa desvantagem conservadora.
Na Grã-Bretanha do jovem estudante Scruton, o socialismo ganhava cada vez mais força, a noção do Estado como uma figura paterna benevolente avançava, e a rebeldia anárquica tomava conta das universidades. Nesse contexto, a vitória de Margaret Thatcher foi praticamente um milagre, para reverter parcialmente esse quadro assustador. Para Scruton, os discursos mais importantes da “Dama de Ferro”, assim como suas políticas, “provinham de uma consciência de lealdade nacional”.
Thatcher era alguém que acreditava em seu país e nas suas instituições, e “as via como a personificação dos afetos sociais cultivados e acumulados ao longo dos séculos”. Seus valores eram aqueles do conservadorismo da era vitoriana, com foco na família, na associação civil, na religião cristã e no Estado de Direito, formando um ideal de liberdade sob a lei.
O que Scruton temia era o desejo de controlar a sociedade em nome da igualdade, o que expressava enorme desprezo pela liberdade humana. Os indivíduos de carne e osso nunca entravam nessas equações ideológicas, desaparecendo perante o abstrato termo “sociedade”. As pretensões insolentes, como chamou Scruton, daqueles que desejavam reprogramar esses indivíduos para que se encaixassem dentro de visões preconcebidas representavam grande ameaça à liberdade.
Inserido nesse contexto, Scruton lamentou desde cedo o empobrecimento do debate público, já que, na esquerda, não parecia haver respostas sérias para as enormes mudanças em curso, introduzidas pela imigração em massa. O rótulo de “racista” encerrava qualquer tentativa de debate por parte de quem demonstrasse preocupação com o rumo da nação. Scruton também se deu conta de que as eleições importavam menos que as instituições permanentes e o espírito público que responsabiliza os políticos eleitos.
Daí a importância, para ele, de lutar pela defesa das fronteiras nacionais contra as pretensões da União Europeia, que se tornou uma ameaça para a democracia na Europa. Para o filósofo, os dois grandes legados da civilização europeia para o mundo estavam sob ataque: o cristianismo e a democracia. A União Europeia não parece apreciar muito nenhum dos dois, e por isso sua baixa popularidade perante o povo.
Apesar de reconhecer a crença cristã na origem da civilização ocidental, Scruton não acha que é preciso ser um cristão para compreender isso e defender, em conjunto, seus valores. A ordem econômica, para ele, depende de uma ordem moral. A sociedade é “uma herança compartilhada em nome da qual aprendemos a circunscrever as nossas demandas, a ver nosso lugar nas coisas como parte de uma corrente contínua de doações e recebimentos, a reconhecer que as coisas extraordinárias que herdamos não são nossas para destruirmos”.
Ou seja, as tradições sociais não são costumes arbitrários como querem os liberais modernos, e sim formas de conhecimento, que contêm os resquícios de muitas tentativas e erros. O que isso quer dizer, basicamente, é que a tradição representa respostas que foram descobertas a partir de questões perenes. E entender isso tem efeito claro sobre a postura política, como explica Scruton: “Em suma, o contrato social requer uma relação de filiação como membro de uma sociedade. Teóricos do contrato social escrevem como se isso presumisse somente uma escolha racional livre na primeira pessoa do singular. De fato, pressupõe uma primeira pessoa do plural que já tenha aceito o ônus de pertencer à sociedade”.
Mesmo no caso americano, que começa sua Constituição com o famoso “nós, o povo”, fica evidente que antes é preciso existir esse povo – no caso, aqueles que já pertencem à sociedade americana cujo vínculo histórico passa a ser representado pela nova lei. Não se trata de colocar a “sociedade” abstrata acima dos indivíduos, mas sim reconhecer que não pode haver uma sociedade sem essa experiência de adesão como membro, já que isso é o que nos permite ter interesse nas necessidades de desconhecidos, aceitar a autoridade das decisões coletivas e das leis a que devemos obedecer, mesmo quando podem contrariar nossos interesses.
Pensar apenas num “contrato entre os vivos”, ignorando os que ainda nem nasceram, fará com que o “acordo” se converta numa “apropriação dos recursos da Terra em benefício dos residentes temporários”. Por isso o conservador destaca a enorme relevância daquilo que é “nosso”, mas sem se transformar num coletivista autoritário. Scruton resume: “O conservadorismo é a filosofia do vínculo afetivo. Estamos sentimentalmente ligados às coisas que amamos e que desejamos proteger contra a decadência. Sabemos, contudo, que tais coisas não podem durar para sempre. Enquanto isso, devemos estudar os modos pelos quais podemos conservá-las durante todas as mudanças pelas quais devem inevitavelmente passar, de modo que nossas vidas continuem sendo vividas em um espírito de boa vontade e de gratidão”.
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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