A mais radical das características humanas é a absoluta diferença individual. E a mais definitiva é a imperfeição. Também é marca desse animal chamado “homem”, o egoísmo (no sentido de defesa dos próprios interesses), do qual deriva o instinto natural de autodefesa, a luta pela autopreservação. Na ação humana, outra característica entra fortemente: o predomínio da emoção sobre a razão.
Não custa lembrar que “homem” aqui é o conjunto dos seres da mesma espécie, os humanos. A palavra “humano” vem do latim “humanus”, que é adjetivo de “homo”, que significa homem. Por óbvio, abrange os humanos do sexo masculino e feminino. O desafio mais complexo do agrupamento de humanos – que ora chamamos de sociedade, ora de povo, ora de humanidade – é constituir um sistema capaz de promover o progresso material e a evolução moral de seus membros.
Os humanos carregam dentro de si dois objetivos aparentemente conflitantes: a defesa de seus próprios interesses (o egoísmo) e o desejo de viver em sociedade (a sociabilidade). O primeiro (o egoísmo) leva o homem a competir, a disputar com seus pares os mesmos objetos e os mesmos fins. Ao mesmo tempo, o segundo objetivo (a sociabilidade) o leva a buscar seus semelhantes, compartilhar, dividir e cooperar.
A princípio, o enigma relevante é saber qual é o melhor formato para organizar uma comunidade de humanos na qual a competição (que força a busca pela eficiência) e a cooperação (que promove a ajuda ao próximo) existam, funcionem bem e favoreçam o crescimento da produção para o bem-estar material e a distribuição adequada à dignidade de todos.
Refletindo sobre essas coisas é fácil concluir que, em primeiro lugar, o melhor a fazer é montar um sistema educacional de qualidade e que seja para todos, pois assim cada membro obteria o preparo intelectual e a qualificação profissional para viver bem com o fruto de seu próprio trabalho. A eliminação da carência, pelo progresso econômico, é do interesse de todos, pois reduz a necessidade de ajuda e aumenta a dignidade humana.
Adam Smith (1723-1790) ficou famoso pela obra A Riqueza das Nações, mas ele publicou um livro menos conhecido chamado Teoria dos Sentimentos Morais, no qual ele fala que as virtudes fundamentais são três: a prudência, proveniente do amor a si mesmo e que leva cada um a buscar seu próprio bem e o da sua família; a justiça, que veda causar mal ao próximo; e a bondade, que é o amor ao próximo e o desejo de ajudá-lo. Segundo Robert Nozick (1938-2002), filósofo professor de Harvard, das três virtudes, apenas a justiça deve ser imposta pelo Estado.
Nozick diz que não compete ao Estado obrigar-me que eu seja prudente ou bondoso, e afirma: “Não quero que o Estado me obrigue a ser bom; isso é problema meu”. A virtude da bondade é uma virtude moral, não legal. Se o Estado quer fazer o bem, ele deve fazê-lo por meio da política e da economia pública, cobrando tributos e distribuindo aos necessitados.
A bondade coletiva, quando o Estado consegue ser justo e eficiente, se realiza por meio da ação pública, é um ato político. Porém, quando o Estado cobra tributos, incha sua estrutura, paga primeiro a si mesmo e cria programas burocratizados e caros, apenas uma pequena parte do dinheiro retirado da sociedade chega aos necessitados. Assim, o Estado diminui o tamanho da bondade coletiva, em razão de seus próprios males, mormente a ineficiência, o desperdício e a corrupção.
As normas de convivência social, as legais e as morais, não são um capricho dos homens, mas uma necessidade para que a convivência e a interação afetiva e econômica sejam pacíficas e prósperas para todos. O Estado, seus políticos e seus funcionários, compondo um aparelho de coerção e obrigação sobre os indivíduos, devem ser submetidos a certa limitação de seus poderes e controle legal e moral de seus atos. O controle é imposição da imperfeição humana, que se torna mais perigosa quanto maior é o poder que o homem detém.
O formato mais adequado, embora não perfeito, capaz de promover a civilidade e a redução das incertezas no convívio social, é composto de três pilares: a democracia política, o estado de direito e a economia de mercado. Em todos, a premissa maior é a “liberdade”. Esse formato é a melhor opção, posto que a alternativa é a ditadura, na qual a vida é boa para quem manda e terrível para quem é mandado.
José Pio Martins, economista, professor, palestrante e consultor.
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