É um caminho sem volta a tentativa coletiva de minimizar os danos das escolhas públicas ruins no Brasil. Sem dúvidas, a administração pública ainda precisa melhorar a qualidade de suas decisões, porque às vezes escolhe mal e isso acontece em razão de distorções e ineficiências. A corrupção ainda é um problema crônico no Brasil que afeta políticas públicas e o próprio mercado. A naturalização de suas práticas não apenas viola a livre concorrência, como também alimenta uma burocracia ineficiente na gestão pública. Mas não é apenas da agenda anticorrupção que trata a integridade: integridade é um valor que defende coerência e eficiência em tomadas de decisão pública, ou seja, adequação e resultado.
Em razão desse quadro, as políticas de compliance são uma alternativa ao direito sancionador. Certamente a punição tem seu lugar em qualquer sistema jurídico, mas não resolve as questões estruturais e, por isso, não pode ser o foco de uma pretensão transformadora. Por outro lado, o denominado compliance é um instrumento de prevenção, controle de riscos e monitoramento de desvios de condutas mais abrangente. O que traduz a ideia de compliance é o projeto de implantar uma cultura de conformidade e governança no Brasil e esse desejo tem se difundido gradativamente tanto na esfera pública e também no setor privado.
O Estado, de modo geral, avançou significativamente nas agendas de transparência. Isso é natural, já que a publicidade é um princípio imposto à gestão pública.
É cada dia maior a importância dos controles internos nas esferas públicas de poder com foco nas macrofunções da auditoria, ouvidoria, correição, prevenção e transparência. Por sua vez, o processo gradual de adesão de empresas às políticas de compliance ganhou vulto após a Lei Anticorrupção. A intenção inicial da expansão no mercado era evitar as consequências decorrente da aplicação das sanções da Lei Anticorrupção e garantir a reputação das empresas. Porém, o exercício tem sido salutar para criar uma cultura de ética, para reproduzir boas práticas e para otimizar a governança de mercado.
É assim porque o compliance privado implica mapeamento da gestão de riscos de clientes e fornecedores e, nesse sentido, produz informações. Além disso, a expansão de políticas de conformidade ganha corpo com a difusão do conceito de ESG, que propõe um conjunto de princípios para meio-ambiente, responsabilidade social e governança. Logo, os movimentos de difusão do compliance andam paralelamente no público e no privado. Porém, cada um deles apresenta características próprias de desenvolvimento que são influenciadas pelas lógicas de funcionamento de seus respectivos setores de origem. O público é muito diferente do privado. Portanto, é natural que haja avanços e dificuldades em campos específicos.
Talvez seja agora o tempo de refletir sobre os horizontes de um aprendizado recíproco nessas caminhadas paralelas. As experiências empresariais, naquilo que são exitosas, podem auxiliar o setor público e vice-versa. O objetivo é semelhante, mas as competências não são, daí por que é saudável abrir a caixa para novas visões de mundo. A título de exemplo, a administração pública tem bastante know how em atividades de controle, auditoria e na investigação administrativa de ilícitos. Essas habilidades são fruto de um desenvolvimento histórico das funções administrativas sancionatórias e do poder de polícia estatal.
Além disso, o Estado, de modo geral, avançou significativamente nas agendas de transparência. Isso é natural, já que a publicidade é um princípio imposto à gestão pública. Nesses campos, os experimentalismos públicos são exitosos e já passaram pelo crivo de críticas e melhorias. No entanto, nem tudo funciona bem no setor público. A burocracia estatal é lenta e ainda incipiente na adoção de monitoramentos eficazes de custos e benefícios, ao passo que o setor privado realiza, cotidianamente, esses cálculos. A análise de resultados é um paradigma discursivo hegemônico, mas ainda em fase de incorporação gradual no setor público. A seu turno, a gestão de riscos é uma miragem distante para a maioria dos municípios e para boa parte dos estados no país. As atividades de gerenciamento de potenciais ameaças a uma organização têm sido desenvolvidas com mais rapidez pelo setor produtivo e financeiro.
No que diz respeito às auditorias, de modo geral elas têm por objetivo constatar fatos relevantes para auxiliar o administrador (público ou privado) em suas tomadas de decisão. Auditorias são realizadas a partir de ferramentas e procedimentos adequados para obter elementos de convicção em casos concretos. Nesse sentido, auditorias se aproximam em finalidades das atividades de inteligência. Em regra, auditorias públicas se assemelham às privadas na condição de observarem a metodologias específicas. Porém, as auditorias públicas são usualmente mais complexas porque demandam não apenas análises de veracidade, como também a conformidade a uma diversidade de legislações. Ambas, contudo, são caminhos para o objetivo principal e comum a todas as administrações: escolhas exitosas para alcançar, de fato, os objetivos institucionais.
Essas breves reflexões não esgotam o horizonte de possibilidades de troca de experiências entre os setores público e privado. É preciso superar vaidades e preconceitos e estimular a colaboração construtiva. Integridade também é ser capaz de reconhecer fragilidades e méritos. Por essas razões, entendo como um bom exercício de maturidade institucional a construção de uma agenda sistematizada para a desenvolver o campo fértil de troca de aptidões entre as experiências de compliance público e privado. O desafio não é fácil, mas pode ajudar os gestores públicos a auditar mais rápido e objetivamente, e os privados, a analisar fatos sob lentes mais complexas. No fim das contas, pode ajudar as empresas a conhecer o devido processo legal e seus procedimentos (e quem sabe melhorá-los). Essencialmente, pode ajudar o Estado a ser mais eficiente e dinâmico na produção de resultados sociais.
Maria Clara Mendonça é promotora de Justiça do ES.
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