Desde a abertura comercial do governo Collor, passando pelas medidas dos governos FHC, Lula e Dilma, o que assistimos foi o fim da indústria nacional de autopeças
A medida baixada pelo governo federal elevando a alíquota do IPI para a importação de carros em 30%, têm um endereço certo: as marcas chinesas e coreanas de automóveis que estão crescendo rapidamente em vendas no Brasil. As multinacionais de veículos automotores aqui instaladas, temendo a concorrência das montadoras chinesas e coreanas, pressionaram o governo federal a tomar tais medidas.
Isso demonstra o poder de pressão das montadoras multinacionais instaladas no país desde o final da década de 1950, no governo Juscelino Kubistcheck. Elas estão vivendo crises periódicas de mercado desde a abertura comercial do governo Collor, que facilitou com a redução de alíquotas as importações de carros, com a justificativa que os carros brasileiros eram "verdadeiras carroças". Desde o início dos anos 90, as montadoras aqui instaladas foram obrigadas a passar por um intenso processo de reestruturação produtiva, substituindo o velho modelo de produção fordista, produção em massa que empurrava a demanda, pelo modelo toyotista ou flexível, no qual a produção é puxada pela demanda, colada no interesse do consumidor, que exige um carro de padrão global e mais econômico. Porém esse processo de modernização não foi suficiente para enfrentar a concorrência externa e as periódicas crises de mercado.
Nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) surge uma nova crise de mercado para as montadoras aqui instaladas e novamente pelo seu poder de pressão, por ser o carro-chefe da economia brasileira, conseguem novos benefícios. Facilitou-se a modernização do processo produtivo das montadoras, destruiu-se a política industrial brasileira ao se permitir que novas plantas aqui instaladas no final dos anos de 1990 recebessem incentivos e benefícios fiscais, fazendo com que os estados e municípios passassem a disputar a instalação de novas plantas das multinacionais automotivas. Tais empresas ganharam terrenos, infraestrutura, investimento direto, dilação de recolhimento de ICMS.
O que vimos a partir daí foi um salto extraordinário no número de plantas dessas montadoras: de quatro que estavam instaladas no ano de 1957, saltou para 27 no final da década de 90. Nova crise de mercado reaparece nos governos Lula (2003-2010) e mais uma vez essas montadoras exercem seu poder de pressão e conseguem novas medidas de redução de IPI para resolver os problemas de vendas no mercado interno, já que o mercado externo, pela valorização do real, entrou também em crise.
As medidas recentes adotadas pelo governo Dilma Rousseff vão na mesma direção e tiveram início com a dilação do prazo de redução do IPI por dez anos via decreto, e agora com a elevação da alíquota para a importação de veículos fora do Mercosul.
Mais uma vez o governo brasileiro tenta justificar tais medidas com o argumento de proteger o emprego no país. Os dados comprovam que nesse tipo de indústria de alta tecnologia os empregos só tem diminuído. Divulga que são medidas para proteger a indústria nacional quando exige que os componentes dos veículos aqui fabricados tenham 65% de componentes nacionais. Cabe um esclarecimento para o bem da verdade: desde a abertura comercial do governo Collor, passando pelas medidas dos governos FHC, Lula e Dilma, o que assistimos foi o fim da indústria nacional de autopeças, já que as novas montadoras instaladas nos anos 90 vieram com o pacote pronto, cujos modelos de veículos foram projetados nas suas matrizes no exterior, para um modelo de produção global, que incluía, desde a origem, as empresas de autopeças e componentes de origem estrangeira.
As empresas nacionais de autopeças, sem nenhuma proteção do Estado, desapareceram ou foram engolidas pelas empresas internacionais que vieram com as novas montadoras.
Portanto, se o governo sucumbe à pressão das multinacionais do automóvel, assuma a sua fragilidade. Que não venha com falsos argumentos de que tais medidas visam proteger a indústria nacional. O Brasil não conseguiu até hoje ter uma marca nacional de automóvel. A Coreia que é bem mais nova neste ramo, já tem duas marcas e a China pelo menos oito marcas.
Lafaiete Neves, doutor em Desenvolvimento Econômico, é professor do Mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE e pesquisador do Programa "Cátedras para o Desenvolvimento" do Ipea/Capes.
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais
Doações dos EUA para o Fundo Amazônia frustram expectativas e afetam política ambiental de Lula
Painéis solares no telhado: distribuidoras recusam conexão de 25% dos novos sistemas