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Motoristas do Uber são... empregados do Uber! Assim definiu o órgão administrativo competente para decidir sobre reclamatórias trabalhistas, o Labor Comissioner, do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, gerando grande repercussão em todos os cantos daquele país, conhecido justamente por ser a terra dos trabalhadores autônomos, que não possuem vínculo empregatício e a quem chamam de independent contractors .

No caso em questão (Berwick v. Uber Technologies, Inc.), uma ex-motorista do Uber teve deferido seu pedido de reembolso de valores decorrentes dos gastos havidos durante a prestação dos serviços. Segundo o contrato-padrão da empresa com cada motorista, a empresa não se responsabiliza pelas despesas que ele venha a ter, seja com a manutenção do veículo, pedágios ou multas de trânsito. Geralmente o motorista tem de criar sua pessoa jurídica, por meio da qual os pagamentos pelos serviços são efetuados. O que o Uber provê é o acesso ao seu aplicativo para iPhone, sendo que o aparelho em si pode ser do próprio motorista ou um emprestado pela empresa. Em decorrência disso, o Uber se considera uma plataforma tecnológica neutra – que permite que o motorista e o usuário se encontrem –, e não um empregador.

São seres humanos que conduzem os veículos. E, como tais, merecem ter seus direitos garantidos

Em verdade, segundo a transcrição da decisão, a empresa está envolvida em todos os aspectos da operação do transporte do passageiro, fazendo a verificação do histórico do motorista, inclusive em relação à sua carteira de motorista, retendo informações pessoais do condutor, como dados pessoais, bancários e residenciais, e exigindo-lhe seguro para o carro e a operação. Ela controla as ferramentas utilizadas: o carro, que deve seguir seus padrões, inclusive o de ter menos de 10 anos; e as avaliações dos usuários em relação ao desempenho do motorista – que, inclusive, é excluído do Uber quando recebe avaliações ruins, consideradas como aquelas abaixo de 4,6 estrelas. Igualmente, dá orientação aos motoristas para não aceitar gorjetas pois considera isso contraproducente para sua propaganda e estratégia de marketing.

O Labor Comissioner considera que o único ativo do motorista é sua mão de obra e seu carro, sendo que ele não investe no negócio nem precisa ter habilidades de gerência. É, portanto, um empregado.

Seguindo a metodologia do direito anglo-saxão, a decisão tem por base decisões anteriores, que já vinham sendo tomadas a partir dessa linha de interpretação no tocante à relação de emprego. De acordo com o caso Borello & Sons, Inc. v. Dept. of Industrial Relations, referido na decisão do caso Uber por se tratar também de condutores, a tendência moderna é caracterizar relação de emprego sempre que o trabalho que está sendo feito é parte integral do negócio regular do empregador e quando o trabalhador, em relação ao empregador, não fornece um negócio independente ou um serviço profissional. E, no caso, o trabalho da pessoa era fundamental para o negócio da empresa, já que sem o motorista o negócio nem existiria.

Na decisão proferida em situação similar, no caso Yellow Cab Cooperative v. Workers Compensation Appeals Board, ficou estabelecido que, apesar da falta de controle sobre os detalhes, a relação de emprego pode se caracterizar se a empresa mantém o controle difuso (pervasive control) sobre a operação como um todo, se o trabalho realizado pela pessoa é parte integral da operação e se a natureza do trabalho torna o controle detalhado desnecessário.

São argumentos de deliberações anteriores que embasaram o caso aqui analisado, não deixando margem de dúvida para a afirmação da existência de relação de emprego entre Uber e motorista.

“Carros não agem, as pessoas é que agem sobre eles”. A frase dita no filme Conduzindo Miss Daisy parece óbvia, mas evidencia algo por vezes esquecido. São seres humanos que conduzem os veículos. E, como tais, merecem ter seus direitos garantidos, inclusive aqueles relativos ao seu trabalho como motoristas.

Tatyana Scheila Friedrich é professora de Direito Internacional na UFPR e professora visitante na Fordham University (Nova York). André Passos, advogado trabalhista, é presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/PR.
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