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Para compreender historicamente o conflito entre o Hezbollah e Israel é preciso recuar ao ano de 1967. Na Guerra dos Seis Dias, as forças israelenses ocuparam toda a Cisjordânia, a faixa de Gaza, a península do Sinai e as Colinas de Golã, gerando cerca de 500.000 refugiados palestinos expulsos de seu território. No exílio, em particular na Jordânia, os palestinos formam a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), que, em 1970–71 expulsa da Jordânia, passa a se instalar no Líbano, criando um Estado dentro de um Estado e acentuando os problemas do país. Em junho de 1982, as forças israelenses invadem o Líbano para capturar os líderes da OLP, entre eles Yasser Arafat, e, munidos de 90 aviões F16, provocam a maior mortandade de civis desde a Segunda Grande Guerra, incluindo os 2.700 palestinos mortos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila pelas milícias falangistas.

A ocupação israelense do Líbano faz nascer o Hezbollah, como uma resistência armada à tal ocupação. Em maio de 1983, com a mediação do secretário de Estado norte-americano George Schultz, um acordo entre Israel e o Líbano possibilitou a retirada de Beirute. A Resolução 425 da ONU exigia a retirada incondicional das forças israelenses do país, o que não aconteceu. Em 1985 o Hezbollah iniciava sua ofensiva armada contra a ocupação, libertando os subúrbios ao sul da capital e a região de Biqa no centro-oeste. As táticas terroristas do grupo também começam nesse contexto, incluindo o ataque à embaixada dos Estados Unidos, que deixou cerca de 60 mortos. Entretanto, a ONU, apesar de exigir o desarmamento do grupo, não o inclui no rol dos terroristas. As forças israelenses permaneceram desde então no que chamavam de Zona de Segurança, uma faixa de cerca de 30 km ao longo da fronteira, região que permaneceu desde então como foco de conflitos.

A formação do Hezbollah se deu entre os muçulmanos xiitas, que são uma maioria excluída do Estado Confessional do Líbano, onde a Presidência é controlada pelos cristãos menonitas e o Parlamento, pelos muçulmanos sunitas. O fato de serem ligados aos xiitas os vinculou ao Irã e à Síria e determinou seu crescimento entre os jovens clérigos intermediários que compõem as principais lideranças do grupo, em particular ao sul de Beirute, no vale de Bekaa e no sul do Líbano, onde o Hezbollah também presta assistência em cinco áreas: ajuda aos familiares dos combatentes mortos, saúde, educação, reconstrução das áreas destruídas pelos ataques israelenses e agricultura. O grupo conta hoje com mais de 40 clínicas e 2 escolas de enfermagem, 12 escolas com mais de 7 mil alunos e tenta dar sustentação a uma agricultura de subsistência no vale.

Em 2000, após a morte do comandante das forças israelenses, Israel decide por uma retirada do país. O Hezbollah se fortalece ainda mais no sul por suas ações, pela exclusão xiita e sua proximidade com a comunidade, que fez com que o governo libanês aceitasse sua inclusão na política local. Liderados por Hassan Nasrallah, ocupam, desde 19 de julho de 2005, nove cadeiras no Parlamento Libanês (composto por 128 parlamentares) e um ministério.

É nesse contexto que o mundo assiste novamente a um ataque israelense sobre o Líbano, em nova onda de destruição do país que já matou cerca de 1.000 civis e que não poupou sequer a antiga cidade fenícia de Tiro, patrimônio da humanidade. Se a motivação é desarmar o Hezbollah existem canais legítimos para tanto nos organismos internacionais, mas sem dúvida isso não pode ser feito a partir do ataque indiscriminado à população libanesa, menos ainda pelo desmantelamento das estruturas de um país soberano e democrático, em um total desrespeito às leis internacionais. Agindo assim, o governo de Israel adota as mesmas táticas do Hezbollah, e o mundo, boquiaberto, assiste a um confronto de terrorismos!

Luís Fernando Lopes Pereira é doutor em História Social (USP) e professor da UFPR e das Faculdades Integradas Curitiba.

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