Eraldo Vidal Corrêa, ex-juiz federal dotado de finíssimo humor, dizia que há certos momentos em que quem não está totalmente confuso está absolutamente mal informado. É o que está acontecendo comigo no que se refere às contas do governo estadual.
Uma hora, leio que as despesas de pessoal caíram R$ 1 bilhão! Maravilha de economia. Em seguida, descobre-se que não é economia e sim reclassificação de uma despesa de uma conta para outra. Mil cargos em comissão são extintos... mas só metade estava preenchida, ou seja, a redução de despesa é muito menor que a aparente. E foram substituídos por uma gratificação variável. Quanto foi mesmo que se economizou? Não tenho a menor ideia. Já as despesas correntes aumentaram mais de 50% de um ano para outro, resultado da "melhoria dos serviços". Que melhoria, se até comida para cães está racionada e falta gasolina na Polícia e nos Bombeiros? O que os números demonstram é um volume exagerado de despesas de cartões corporativos, viagens, consultoria, aluguel de veículos...
A novela dos empréstimos continua. A oposição diz que não há projetos, o governo diz que há, mas não mostra. O desencaixe viria da antecipação de investimentos já feitos em que os recursos federais ainda não entraram, mas não é o que a contabilidade (está no Portal Transparência) deixa transparecer. Onde, afinal, está a verdade? É preciso fazer aquilo que meu amigo Ricardo Coqueiro indica como receita certa para descobrir: "espremer os números até que eles confessem".
É possível e muito provável que haja uma enorme antipatia do governo petista em relação ao governo Richa, afinal são potenciais adversários na eleição, mas as antipatias da burocracia costumam sempre ter uma ponta (ou várias pontas) de razão. E fica-se nesse vai e vem desmoralizante para nosso governador, que declarou que o secretário do Tesouro, funcionário de segundo escalão, não atende seus telefonemas. É o cúmulo do desrespeito ao chefe do Executivo de um ente federado.
Imaginar, por outro lado, que as coisas aconteçam porque as pessoas nos são simpáticas não é verdade. Outro dia, o chefe da Casa Civil, Reinhold Stephanes, em entrevista, elogiou o programa rodoviário do governo Canet (1975-79), o maior de todos os tempos. Mas alegou que os recursos para sua execução vieram da grande amizade entre o então ministro Ney Braga e o presidente Geisel. Ou seja, a amizade de Geisel por Ney abriu as burras do governo e Canet teria sido apenas um gerentão, um super mestre de obras, que ia a Brasília periodicamente para receber as benesses de Geisel.
Não sei de onde o secretário tirou essa afirmação; basta ler os Balanços Gerais e os Relatórios da época para descobrir que os recursos para o programa rodoviário advieram da receita própria do estado (o fato de que o governo estadual gastava em despesas de capital 33% a 35% do Orçamento, quando agora mal chega a 5%, ajudou bastante), de um empréstimo de US$ 50 milhões no Banco Morgan, outro de US$ 55 milhões no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e não da transferência bilionária de recursos federais. Em todos os empréstimos, todas as liturgias burocráticas e legais foram cumpridas integralmente. Ney Braga sempre foi um grande amigo e apoiador do Paraná, mas atribuir a ele a origem dos recursos utilizados na pavimentação de rodovias é um equívoco indesculpável. Basta "espremer os números" daquela época para constatar o que digo.
Canet, aliás, foi um governador singular. Quando o caixa do governo apertou por causa da geada de 1975, Jaime Prosdocimo, secretário da Fazenda, decidiu fazer um empréstimo, uma Adiantamento de Receita Orçamentária (ARO). Muito constrangido, Prosdocimo revelou a Canet que o banco que iria fazer a operação exigia um aval pessoal do governador. Ato contínuo, Canet assinou a promissória como avalista. Nova exigência: os advogados do banco exigiam o aval de sua mulher, porque era casado com comunhão de bens. Dito e feito. E assim, durante vários meses, o casal Jayme e Lourdes Canet foi, com seu patrimônio pessoal, garantidor da dívida paranaense. Aliás, paga rigorosamente em dia.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.
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