Ouça este conteúdo
Em um país com tantos e tão urgentes problemas a resolver, ganha destaque uma prioridade: a empregabilidade dos jovens. Não é mais possível conviver com a indiferença do governo frente à taxa recorde de desemprego de 14,7%, índice que salta para 31% quando se trata de jovens, ainda mais com a curva ascendente desses dois indicadores, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os óbvios impactos econômicos e sociais desse quadro devastador levam diferentes níveis do governo, principalmente nos períodos que precedem eleições, a buscar soluções mágicas que carecem de fundamento e que são adotadas de maneira açodada. Foi o que aconteceu com pontos da Medida Provisória 1.045, que está no Congresso. Em meio a outras medidas legislativas supostamente voltadas à redução do desemprego, foram enxertadas à proposta original da MP sugestões do relator da matéria, deputado Christino Áureo (PP-RJ). Entre essas “novidades” que carregam vícios de origem, o parlamentar propôs a criação do Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) e do Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip).
A proposta do parlamentar é inadequada e desnecessária. Ao lerem o texto, ao menos nove entidades que somam décadas de atuação na assistência social, capacitação e inclusão de jovens no mundo do trabalho e na criação de ações voltadas ao público em vulnerabilidade social decidiram repudiar a criação dos programas propostos no relatório. Essas entidades consideram que a sugestão do parlamentar, em vez de encaminhar soluções para reduzir o desemprego, cria formas de trabalho desprotegido e representam grande incentivo à evasão escolar.
Para as entidades, são tantos os malefícios que a criação desses programas trariam que foi difícil enumerá-los. Mas nessa longa lista de impactos negativos, o grupo destacou alguns, encabeçados pelo incentivo à evasão escolar. Qualquer programa de ocupação dos jovens, ainda que em caráter emergencial, deve ter o ensino acoplado às atividades laborais. Não se pode negligenciar mais a formação de milhões de jovens. Obter um emprego isoladamente para um jovem é a melhor maneira de incentivar o abandono dos estudos. Ao conseguir um emprego, o jovem, incentivado pela família, sai da escola para possivelmente nunca mais retornar. Estudo recente do Insper mostra que o Brasil perde R$ 283 bilhões por ano com a evasão escolar. Mais: junto da perda financeira vem a maior delas, que é a má formação do jovem.
Além disso, a proposta não atende as necessidades das empresas. Os programas sugeridos pelo parlamentar, além de não oferecerem aos jovens garantias de qualificação profissional, não asseguram às empresas a contratação de mão de obra preparada para ser absorvida de imediato. Não é porque há um subsídio que necessariamente as empresas irão contratar. O texto também não traz segurança jurídica às empresas. Por não estarem ancorados na legislação já existente para a contratação, os programas sugeridos pelo relatório do deputado não dão respaldo jurídico às empresas e não as protegem de futuros processos trabalhistas referentes a benefícios que foram negados aos funcionários à época da contratação. Há dúvidas importantes quanto à constitucionalidade da criação dos programas Requip e Priore.
Outro efeito negativo é a destruição da estrutura de formação de jovens. Sob o pretexto de financiar os programas com recursos do Sistema S, a proposta destrói a estrutura existente hoje que separa as escolas técnicas, as escolas do Sistema S, o Programa Aprendiz e os estagiários. Existe hoje uma arquitetura de formação dos jovens que, se não funciona melhor, é por falta de incentivo, atenção e recursos. A maneira de consertar as falhas não é a destruição total do que existe para ser substituído por algo de resultado duvidoso. No Brasil, não raramente deixa-se de prestigiar estruturas consagradas (como a Lei do Aprendiz) que têm anos de existência, para abandonar tudo em prol de uma nova construção.
A consequência da implantação dessa proposta será a canibalização de vagas. Os programas, como propostos, não garantem a criação de novas oportunidades de trabalho. Pelo contrário, criam uma concorrência insustentável de trabalho desprotegido com modalidades já existentes e consolidadas, que continuam a enfrentar inexplicável resistência dos governos. Por fim, haverá segregação entre candidatos e precarização. Os critérios estabelecidos para a criação dos programas de empregos propostos pelo relatório são inadequados e aprofundam a precarização da mão de obra jovem em situação de vulnerabilidade. O jovem é negativamente qualificado e em seguida oferecido ao mundo do trabalho.
Trata-se, portanto, de uma proposta que trará muitos problemas e nenhuma solução. Por isso, as entidades repudiam a sugestão e propõem que se prestigie propostas como, por exemplo, o Estatuto do Aprendiz, que está no Congresso, entre outras medidas legislativas. Além disso, sugerem a criação de um amplo programa de apoio à criação de empregos ancorados nas consagradas experiências de estágio e de aprendizagem, que depois de anos têm um legado de sucesso comprovado e respeitam a identidade única do jovem brasileiro.
Não se pode errar novamente em um tema tão vital. Para que se chegue a propostas na direção correta é preciso envolver quem conhece a fundo a precária situação do emprego e sabe os caminhos que levam à inserção correta de jovens não só no mercado de trabalho, mas também como cidadãos. O momento é de agir aproveitando as experiências que deram certo e usando essa expertise para desenhar um futuro melhor com uma visão acurada e abrangente, que pense em soluções de verdade. Criar novos problemas é tudo de que o Brasil não precisa no momento, ainda mais quando se trata do futuro de seus jovens.
Humberto Casagrande é CEO do Ciee São Paulo.