Com a viola que acabara de ganhar do prefeito de Cuiabá ainda nos braços, em vez de guardá-la no saco, o presidente Lula entoou na terça passada a mais desafinada e desatinada arenga desde que envergou a faixa pela segunda vez. Com a auto-estima ferida pelas vaias na abertura do Pan, incomodado com as cobranças pelo silêncio de três dias em seguida à catástrofe com o Airbus, talvez premido por companheiros mais inseguros, o chefe do governo resolveu investir contra o movimento "Cansei!" iniciado no domingo anterior.

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Pela veemência, pareceu mais fatigado do que aqueles que deveria enfrentar. O movimento dos estafados pretendia oferecer solidariedade às famílias enlutadas pelas recentes tragédias aéreas e, a partir dela, questionar o governo. Reuniu escassas cinco mil pessoas porque começou errado: a convocação de quem se admite cansado não inspira confiança, ninguém se entrega a quem confessa exaustão. Protesto só engrossa com vibração, garra.

Apesar da presença de algumas personalidades políticas (o presidente da OAB-SP), empresários de porte (o presidente da Phillips brasileira) e oposicionistas de terceiro nível, o movimento ficou sob suspeita a partir do momento em que apareceu seu orquestrador – o empresário de eventos João Dória Junior, famoso pelas "bocas-livres" que patrocina junto ao segmento Daslu.

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Examinada isoladamente, a reação do presidente foi exagerada e desastrada: valorizou o que não tinha condição de prosperar. Lula falou em ameaça à democracia, forçou o paralelo com a "Marcha com Deus Pela Liberdade" que precedeu o golpe militar de 1964, esbravejou e ameaçou: "ninguém neste país consegue colocar mais gente na rua do que eu." Não era o mesmo comunicador, senhor do seu ofício.

Somado às manifestações dos dias seguintes, o desabafo de Cuiabá revela um contendor acuado, psicologicamente desgastado, encostado nas cordas do ringue. Isto é pior do que admitir-se cansado. Por isso, mais uma vez, o chefe da nação mais poderosa da América Latina recorre ao papel de coitadinho, vítima dos golpistas, da grande imprensa ou dos bilionários que amamentou com tanto desvelo.

Ao declarar que não estava suficientemente informado sobre a crise aérea (que sempre negou) ou acusar os adversários dos cinco últimos pleitos de jamais terem trazido ao debate a questão do transporte aéreo, o presidente revela que está simplesmente esfalfado, moído, pregado.

Lula não pode ser acusado pelas inesperadas chuvas de julho, nem pelas eventuais deficiências na pista de Congonhas, nem pelo pino no reversor da turbina, muito menos pelo manete do Airbus na posição errada. A falta de equipamentos para fornecer informações aos usuários dos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont não pode ser atribuída ao primeiro mandatário, é resultado de um descaso secular com o cidadão ou contribuinte.

Os feitos e desfeitos do governo começam a ficar visíveis quando o parceiro José Sarney em seu artigo na "Folha" (a sexta, 27/7, p.2) admite que tudo começou com o fim da Varig e quando o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, critica o duopólio que controla o transporte aéreo no Brasil.

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Quem fortaleceu a convicção de que o Senhor Mercado é capaz de resolver todas as crises não foram os incansáveis predadores neoliberais dos governos anteriores, mas os progressistas bem nutridos e lassos do atual.

A politização da primeira tragédia aérea foi obra do ex-ministro da Defesa, logo em seguida ao primeiro turno das presidenciais. Estava cansado, queria ir logo para a casa. Quem está politizando esta catástrofe são outros auxiliares, igualmente impacientes e estressados. Ainda não se sabe se o vazamento dos dados da caixa-preta ocorrido nesta semana foi facilitado por políticos próximos ao governo conforme constatou a colunista Tereza Cruvinel ("O Globo", 3/8, p. 2). É possível que queriam encerrar o assunto, podem estar com surmenage.

Mas o brigadeiro Jorge Kersul Filho (diretor do Cenipa), foi muito claro na coletiva do dia 24 de julho ao revelar que a Aeronáutica foi obrigada a entregar à Polícia Federal o inquérito inconcluso sobre o desastre com o Boeing da Gol.

Uma coisa parece certa: cansaço não é bom conselheiro.

Alberto Dines é jornalista.

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