Recentemente, num tom exaltado de palanqueiro, o presidente da República pregou solidariedade do seu partido aos réus do escândalo do mensalão. Com um discurso feito para empolgar a platéia do 3.º Congresso do PT, Lula passou a mão na cabeça dos petistas processados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa e formação de quadrilha. Lula disse que o PT não tem do que se envergonhar e pediu a união do partido para enfrentar uma onda de "preconceitos" e até "ódio" de classe.
Autoproclamado o brasileiro "mais ético" entre todos os cidadãos brasileiros, o presidente Lula exaltou a ética do partido e a defesa dos companheiros. "Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que nosso partido." E, num arrebatamento de humildade coletiva, completou: "Admitimos que tem gente igual a nós, mas não admitimos que tenha melhor." Impressionante!
Com seu comício partidário, chocante, mas estudado, o presidente da República acabou dando uma bofetada no STF, uma cotovelada na verdade e, de quebra, reacendeu a velha tese da conspiração das elites. Tal teoria, lançada pelo ex-ministro José Dirceu, tem inspirações nitidamente venezuelanas. Ela já vinha sendo elaborada há algum tempo nos laboratórios petistas. Documento divulgado em 2005 por 43 movimentos sociais, como a CUT e o MST, definiam a estratégia. "As elites iniciaram, através dos meios de comunicação, uma campanha para desmoralizar o governo", dizia o texto. Tratava-se, então e também agora, de um documento previsível no tabuleiro da crise. Com o governo acuado e as provas de corrupção entrando nos tribunais (magnífico o trabalho da Procuradoria-Geral da República), o recurso à teoria conspiratória é só o primeiro passo.
O segundo, na expressão de Dirceu, será, dependendo do andamento da carruagem, a mobilização dos movimentos sociais contra as "forças políticas, sociais e conservadoras da direita". O argumento petista é infundado e injusto. Não resiste a dois segundos de análise séria. Se houve uma conspiração elitista nos bastidores, ela visou, ao contrário, a preservar o presidente da República da crise que ameaçou tragá-lo. Na verdade, as elites econômicas (basta pensar nos bancos), felizes com as políticas adotadas pelo governo Lula, querem tudo menos o fantasma da desestabilização.
Todos nós, que compartilhamos responsabilidades no nosso sofrido Brasil, não nos alegramos com o aumento da temperatura política, muito menos com a possibilidade da irrupção de uma crise. O que está acontecendo, talvez em proporções inimagináveis, é o resultado final de um silogismo com premissas ideológicas bem concretas. O PT, que sempre agitou a bandeira da ética, na verdade cresceu sob a sombra da práxis de inspiração marxista, isto é, o que importa é o poder a qualquer preço. O fim justifica os meios. A ética é uma bandeira de marketing, mas não é o fundamento da ação. Daí a boa convivência com os inimigos do passado. Daí o vale-tudo em nome de um projeto de perpetuação no poder. Por isso, hoje eles encarnam o que sempre criticaram. O pragmatismo mandou às favas a consciência e a coerência.
A imprensa, sem as mordaças que alguns defendem e livre de quaisquer tentativas de cooptação, tem um papel decisivo no processo de recuperação da ética. Não somos antinada. Nosso compromisso é com a verdade e com a liberdade. Nosso cliente não é o poder. É você, leitor e cidadão. A democracia é o melhor antídoto contra o veneno do autoritarismo. É um longo aprendizado. Mas funciona. O eleitor, inicialmente ingênuo e fascinado com o brilho do populismo, vai ganhando discernimento. A mídia, numa rigorosa prestação de serviço, será, agora sempre, a memória da cidadania. O ostracismo das urnas já é um grande passo, mas não basta. A conseqüência do crime, independentemente do status do delinqüente, deve ser a cadeia. É isso, e nada mais, o que a sociedade espera da ação de um Judiciário independente e íntegro.
A democracia brasileira, não obstante os ataques dos autoritários de sempre, é sólida. Ela tem os anticorpos suficientes para combater o vírus aético e devolver aos brasileiros, sobretudo aos jovens, a alegria e a esperança.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia. difranco@ceu.org.br