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 | Roberto Custodio/Arquivo Jornal de Londrina
| Foto: Roberto Custodio/Arquivo Jornal de Londrina

Dias atrás, veio a público o caso da filial de Natal (RN) do Sam’s Club, que estaria comercializando televisores de 55 polegadas da Samsung por R$ 279. Oito consumidores teriam sido impedidos pelo estabelecimento de comprar o produto por esse preço, quando se constatou o evidente erro na etiqueta. Do ponto de vista moral, acredita-se ser desnecessário direcionar muitos argumentos para se constatar que a postura dos consumidores, de pretender comprar um televisor novo de 55 polegadas por R$ 279, não é exatamente um exemplo de honestidade.

Porém, o questionamento realmente instigante é se, do ponto de vista estritamente jurídico, tal conduta é admitida. Isso porque o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que o fornecedor é obrigado a cumprir as ofertas que veicular. Assim, numa análise superficial, poderia se concluir que, embora moralmente questionável, a postura dos consumidores seria lícita. Contudo, o direito não deve ser interpretado a partir de um único dispositivo legal de maneira isolada, mas sim considerando-se o sistema como um todo. O referido dispositivo legal está inserido no mesmo ordenamento de outros tão relevantes quanto. A respeito do presente caso, em contraponto ao seu artigo 30, o próprio Código de Defesa do Consumidor prevê o princípio da boa-fé, em seu artigo 4.º, III, o que também é expressamente previsto no artigo 422 do Código Civil.

A postura dos consumidores que pretendem comprar um televisor novo de 55 polegadas por R$ 279 não é exatamente um exemplo de honestidade

Portanto, obviamente, o direito exige que as partes envolvidas em uma determinada relação jurídica ajam com boa-fé, com lealdade e probidade, o que se aplica inclusive aos consumidores. Nesse sentido, interpretando esses artigos à luz do caso aqui analisado, uma conduta adequada dos consumidores seria, por exemplo, informar ao fornecedor o erro grosseiro na etiqueta para que esta fosse corrigida, a fim de evitar novos constrangimentos, bem como indagarem-lhe qual é, de fato, o preço de venda do produto, para verificarem se é ou não do seu interesse comprá-lo. Agir de modo diferente, como foi feito, exprime de maneira bastante clara a intenção de obter vantagem do erro alheio, em vez de simplesmente repreendê-lo para que não se repita.

Ademais, o mesmo direito que obriga os fornecedores a cumprirem as suas ofertas, além de exigir boa-fé dos consumidores, proíbe o enriquecimento sem causa (artigo 884 do Código Civil). O Poder Judiciário paranaense já teve a oportunidade de se manifestar sobre uma situação similar (no recurso inominado 0001788-28.2013.8.16.0178), em que o consumidor comprou por R$ 546,49 instrumentos musicais com valor de mercado total de R$ 9,5 mil. Vale a leitura das palavras do relator desse caso: “A aquisição de produtos por 5,75% do valor de mercado, mormente [sobretudo] por pessoa que sabe o valor real dos bens, evidencia o erro grosseiro. O imperativo da boa-fé nas relações de consumo se aplica a todas as partes da relação, e no caso está ausente a boa-fé do consumidor”.

Leia também:O verdadeiro viés da reforma trabalhista (artigo de Marlos Melek, publicado em 11 de junho de 2017)

Rodrigo Constantino: Onde as coisas funcionam (5 de janeiro de 2017) 

No mesmo sentido já se posicionou o Tribunal de Justiça de São Paulo (na Apelação 0017678-86.2013.8.26.0482), em um caso no qual o consumidor pagou R$ 32,34 por cada um dos quatro frigobares que adquiriu e R$ 70,54 por uma adega, os quais, na realidade, custavam, respectivamente, R$ 549 e R$ 1.299. As palavras do relator resumem bem o que aqui foi exposto: “Acrescente-se que devem ser repudiadas atitudes como a do autor, que claramente intencionam a obtenção de vantagem indevida, e ainda mais quando se visa a um benefício aproveitando-se da falha ou erro de outrem”.

Por fim, vale frisar que não se questiona a importância de, eventualmente, se punir os fornecedores por erros como esses, por meio dos órgãos competentes (Procon, por exemplo), a fim de evitar que os cometam novamente. Não se defende, de forma alguma, o desrespeito ao consumidor e a prática de falhas pelos fornecedores, sem qualquer tipo de repreensão. Mas, certamente, admitir a falta de lealdade e o enriquecimento sem causa por parte de alguns consumidores não é o caminho para a realização dessa finalidade.

Rodrigo Cunha Ribas é advogado do escritório Marins de Souza Advogados, atuante no direito empresarial e no direito do consumidor.
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