No café da manhã, olho ao redor. Armários, prateleiras, eletrodomésticos, meu prato, a xícara. Meus sapatos, minhas calças, camisa e relógio, até meus óculos que pacientemente limpo com uma flanela promocional da ótica. O livro sobre a mesa. A caixa de leite. A informativa embalagem do pão integral. Tudo colonizado pelas marcas. O que sobra? Meu eu. Uma ilha perdida num oceano de desejos por coisas que desejam ser inesquecíveis.
Eis um dos mantras da autoajuda empresarial: "Quem não é visto não é lembrado". Expressa um conhecimento tácito da sociedade capitalista e ilustra a lógica do sistema publicitário, baseado na visibilidade para fixar-se na memória do consumidor. A memória é o território a ser conquistado, demarcado por imagens não visuais, por percepções, afetividades que formam uma imagem mental acerca de uma determinada marca.
Em nossa cultura dita "visual", o olhar é a primeira porta de acesso ao desejo das pessoas. Mas a visibilidade não é um conceito exclusivo da comunicação publicitária. Arquitetura, shoppings, instituições, os selfies nas redes sociais, tudo em nossa cultura já nasce travestido de imagem. No livro A era da iconofagia, o semioticista cultural Norval Baitello Junior narra a nossa relação com as imagens. Em um primeiro momento, devoradas pelo homem; depois, as imagens devoram imagens, numa fase em que referenciam a si mesmas. Para o autor, somos devorados pelas imagens.
Conforme a pregação dos frankfurtianos, ao escolher determinado consumidor como destino de sua mensagem, a publicidade dissipa as fragilidades humanas: o desconhecimento do próprio eu, as angústias, a falta de esperança, a sensação de desconexão com o social. Quando a publicidade sorri para o consumidor, ele não pensa na compra, mas no "amor" que a marca demonstra sentir por ele. Ser amado pelas marcas é sentir-se conectado, inteiro, vivo. "[...] Se o objeto me ama, estou salvo", escreveu o sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard. Mas esse ar de coitadinho do consumidor não convence. Sob sua pele sempre habitou um monstro cruel.
O espaço da publicidade na história é pequeno e recente demais para transformá-la na vilã de uma sociedade consumista. O homem consome desde quando surgiu no planeta. Os bens são neutros, mas seus usos sociais criam vínculos entre as pessoas e mantêm tensionadas as redes sociais. "O homem precisa de bens para comunicar-se com os outros e para entender o que se passa à sua volta", publicaram a antropóloga Mary Douglas e o economista Baron Isherwood, nos anos 1970. O casamento com a Antropologia é a redenção do consumo: consumir significa ritualizar e reatualizar as conexões sociais. É sentir-se parte de um todo. Consumo, logo existo.
Entre a culpa e as pulsões do consumo, entre um gole e outro de café, abro o Almanaque dos anos 80. Ao virar as páginas revi momentos da infância e da adolescência. A constatação de que meu eu, antes pensado como uma ilha a salvo da colonização consumista, também foi construído por toda aquela cultura de massa compilada no livro é, no mínimo, paradoxal. A publicidade nos devora. No entanto, se há uma teoria da conspiração para o sequestro dos meus pensamentos e memórias, assumo aqui meu papel de cúmplice de toda essa canalhice mercadológica. E assim reinventamos um famoso dito popular: consumir é viver.
Hertz Wendel de Camargo, publicitário e jornalista, é professor do Departamento de Comunicação Social da UFPR. Este texto integra série especial de artigos sobre os 50 anos do curso de Jornalismo da UFPR.
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