Virou motivo de piada o caos que aterrissou no sistema aéreo nacional, como mostram os cartuns do IV Festival de Humor Gráfico das Cataratas, cujo tema é "Planeta avião". A situação, contudo, está mais para drama do que para comédia, a começar pela morte das 154 pessoas que estavam no vôo 1907 do Boeing da Gol, estendendo-se ao desespero diário de passageiros que vêem os seus vôos atrasar ou simplesmente serem cancelados; para não falar das perdas nas frentes turística e do comércio internacional. Nossos aeroportos, embora com ares de modernidade, andam parecendo aquelas rodoviárias antigas, com gente dormindo por toda parte.
É até crível que a colisão do Boeing da Gol com o jato Legacy serviu como estopim dos problemas, mas é inaceitável que esses tenham sido desencadeados pelo "abalo emocional" dos controladores de vôo, como absurdamente se disse.
É, sem dúvida, importante apontar quem foi culpado pela tragédia os pilotos das duas aeronaves? Os controladores de vôo? Muito mais importante, porém, a essa altura, é identificar as causas do caos, parar com a troca de farpas e bate-bocas entre autoridades do Ministério da Defesa, do Comando da Aeronáutica, da Infraero, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e do sindicato dos controladores, e tomar medidas urgentes para impedir novos acidentes.
Está coberta de razão a afirmação de que a crise reflete um acúmulo de problemas, tendo como pontos centrais a carência de pessoal e de equipamentos do sistema. Falta de recursos aparentemente jamais houve, como o próprio ministro Waldir Pires atesta. Confirma a tese o Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi): em outubro, a Força Aérea havia utilizado apenas R$ 319,8 milhões dos R$ 531,6 milhões autorizados. Somente em 2005, a Infraero arrecadou R$ 3 bilhões. O relatório da auditoria do Tribunal de Contas da União, por sua vez, assegura que a Infraero teria deixado de repassar R$ 582 milhões para a Aeronáutica nos últimos seis anos. Constata ainda o TCU que, desde 1996, não foi feito um único planejamento satisfatório de médio e longo prazo para o setor.
O quadro caótico, portanto, decorre da existência de "buracos negros" sim, não apenas no céu do Brasil, mas em todo o sistema, em terra, nos aeroportos, nos Cindactas, rendendo culpabilidade ao gestor-mor, o governo federal, que não acompanhou a evolução do setor, como de resto tem sido omisso em relação a todos os setores de infra-estrutura. No caso do transporte, o aéreo é apenas um modal seriamente comprometido por falta de visão e investimentos.
Os dados já levantados indicam que problemas existiam, há tempos, mas a Aeronáutica não lhes dava a devida atenção. As perdas hoje são incalculáveis, para os passageiros, para o turismo, para as empresas que utilizam o transporte aéreo, podendo aumentar se medidas corretivas não devolverem rapidamente a funcionalidade, a tranqüilidade e a segurança ao setor.
É evidente a necessidade imediata de contratação de pessoal e aquisição de equipamentos, mas, a médio prazo, é preciso também rever o modelo de gestão. Procede a proposta de desmilitarização do sistema, pela qual o controle do espaço aéreo, hoje gerido pela Aeronáutica, passasse a ser compartilhado com a administração civil. Merecem atenção também as sugestões de reformulação das carreiras do pessoal especializado bem como de revisão de normas que tratam da destinação das tarifas aeronáuticas e aeroportuárias pagas pelas empresas e passageiros, que neste ano chegarão a R$ 950 milhões.
Se o transporte aéreo está um caos, com o país crescendo a taxas medíocres, como será se a economia reagir o que todos esperamos e, nesse surto, o comércio e o turismo exigirem um pouco mais dos aeroportos?